Capítulo 1

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Eu 

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

[...]

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
(Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas")

Meu nome é Frida.
Isso mesmo, de Frida Kahlo.
E não, eu não sou mexicana.

Na verdade minha mãe é francesa e meu pai, bem, meu pai é brasileiro. E olha só, escolhi morar com o meu pai e sou metade francesa. Digo metade porque nasci em Saint-Grégoire. Moro meio semestre em cada país, mas definitivamente, sou brasileira. Apesar de não ser simpática. Apesar de não gostar de pessoas. Apesar de odiar tradições. E detestar futebol. E não se importar com os hermanos argentinos. Apesar de gostar mais de livros do que de todo o resto.

Ah, e a propósito, eu não sou loira.

A minha história começa com meus pais, que se conheceram na França. Em Paris, sendo mais precisa. Meu pai é artesão e trabalha com ferro, aço, metal. Suas esculturas são bem conhecidas mundo afora. Aqui, só um pouco. Talvez se ele se mudar pra "fora", os brasileiros se interessem um pouco mais por sua arte. Uma mania (ruim, muito ruim) de brasileiro: Dar deveras valor à enlatados. E assim, em uma dessas aventuras, eles se conheceram.

Pai + mãe.

Eles não se casaram, mas me tiveram. Minha mãe é artista plástica e quando descobriu que estava grávida, recebeu um convite para lecionar na Université de Paris e aceitou. Meu pai precisava voltar, seu ateliê, sua inspiração, a raiz de tudo o que nele fazia parte, estava aqui. E voltou. Vivi meus três primeiros anos com minha mãe, mas aos quatro anos resolveram compartilhar a guarda e cá estou. Metade Bossa Nova. Metade Nouvelle Vague.

Mas essa não é a minha história. Até então, ando como uma simples coadjuvante. Ainda não sei quem eu sou. Ainda não sei porque preciso ser. Ainda não decidi quem escolherei ser. Ainda e tão somente ainda, não descobri o meu lugar no mundo. O real propósito da minha vida. Esse, a qual todos estamos destinados. O destino. Qual será o meu destino? Mas se já está (pré)destinado, como afirmam, de que adianta tentar ser?
Meu pai sempre me diz que pra ser grande, tem que ser inteiro. E me sinto em cacos todos os dias que acordo e percebo que de nada me constituo. Que não saberia me reconhecer nem mesmo se me visse.

Sou uma Frida Régnier Qualquer.Não sou a Frida Kahlo, que meus pais admiram e que eu, junto a eles, aprendi a admirar.
Não sou grande, não sou forte. Não sei suportar dor.
Não sei ao menos quem eu sou.

E isso, as vezes me machuca de um jeito que nem colo de pai consegue curar. Nem email de mãe. Nem potes de sorvete. Nem Milan Kundera, nem Mario Vargas Llosa. Nem mesmo Neruda, coitado, consegue reunir as várias faces em que me tornei.

Talvez um dia a leveza de que o mundo é formado, possa ajuntar-se a mim. E assim, como em uma linda poesia, eu me revele grande, valiosa e única.

Por esses dias meu pai me intimou a fazer um curso de escrita criativa, oferecido pela Academia Brasileira de Letras. É, não mencionei o quanto gosto de escrever. Não me é justo definir o que prefiro: ler ou escrever. Apenas sei que a cada verso, a cada palavra, o mundo se reinventa e sou capaz de descobrir todas as artimanhas do universo.

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