O Segundo Espírito - O encontro

10 2 0
                                    

*suspiro* Aqui estou começando a vagar por essas terras com o intuito de cumprir meu objetivo. Seguindo as ordens do Glorioso, meu primeiro alvo é uma garota. No pergaminho dado a mim pelo Glorioso, entendo alguns dos motivos pelos quais a fizeram subir ao nível que está agora.
Espírito da Paz, Segundo Espírito ou simplesmente Paz é o atual codinome de uma garota que conheci durante a época como humano. Frequentemente íamos a alguns bares para espairecer. Seu sorriso fácil combina com a simetria perfeita do seu rosto. Após alguns copos de bebida, suas risadinhas tornavam o ambiente mais alegre e animado. Confesso que era uma companhia perfeita. Nos momentos em que não estávamos bebendo ou conversando, tirávamos um tempo para estudar. Sua capacidade lógica era surpreendente.
Certo dia, combinamos de sair para o cinema e, após isso, para o bar. Encontrando-a na porta do cinema, vi seu semblante surgindo como um pequeno fragmento da noite que tinha acabado de se desprender. Seu vestido preto adornado com tiras brancas, seu colar e seu brincos brincavam com a figura dela, transformando-a na deusa que com certeza era venerada por muitos. A sessão foi boa, o filme foi bom, a presença dela foi boa. No bar, foi melhor ainda. Brincamos, rimos, tiramos fotos e fizemos tudo o que era permitido.
As coisas seguiram como deveriam seguir. Um tempo depois ela mudou de cidade por conta da faculdade, mas isso não atrapalhou nossa amizade. Continuamos a nos falar, a sair e a beber. E assim nossa vida continuou.
Talvez dois ou três anos depois da mudança dela da cidade, ocorreu o apocalipse. Lembro que nesse dia ela estava na cidade, na casa de uma amiga conhecida, e admito que a primeira pessoa que procurei foi ela, na tentativa vã de salvá-la. Esbarrando em todo mundo que aparecia, fui indo andando na direção contrária tentando buscá-la. As ruas pareciam intermináveis até a casa da amiga, mas mesmo tropeçando, caindo e sendo pisoteado pela multidão, avancei. Quando cheguei, o desespero tomou conta de mim. Entrando na casa dela, não encontrei ninguém. Era tarde, a lua já mostrava seu máximo esplendor, e as estrelas embelezavam o céu. Quando cheguei a porta, tentando enxergar onde ela estava, ouvi um estrondo, talvez um trovão, e as luzes dos postes começaram a piscar, como num magnífico e macabro filme de terror.
Talvez eu tenha desistido dela depois de ter passado uma hora procurando, não sei bem o que senti no dia do apocalipse. Quando minhas pernas cansaram, resolvi procurar comida nos latões de lixo. Nessa altura, já estava na fase Alpha do apocalipse. No fundo do beco onde estavam os latões, ouvi vozes pedindo ajuda. Quando corri até lá, vendo apenas por três segundos a cena, vomitei até praticamente ficar sem força. Talvez seis ou sete homens violando Paz e sua amiga. Os rostos pútridos dos homens enojavam-me, mas retirei coragem de avançar neles e tirar os dois homens que estavam estuprando Paz. Seus olhos negros estavam fundos e perdidos, mal ela me reconheceu. Seu estado de choque estava notável. Sua vida estava desvanecendo. Suas vestes estavam sujas e parte delas jogadas ao chão. Seu órgão genital sangrava. Consegui perceber lágrimas praticamente secas em seu rosto. Um movimento sutil, porém, significativo dela, ocorreu quando ela lentamente levantou o braço e apontou para os homens que estavam vindo em nossa direção. Tentei correr puxando-a pelo braço, mas ela estava imóvel. Vendo que não iria conseguir, deixei seu corpo desabar ao chão e tentei brigar com aqueles homens. Nessa hora, todos os possíveis sete vieram me bater. Quando acabaram o espancamento, estava tossindo muito sangue e sentindo alguns ossos quebrados. Foi quando eu ouvi uma voz dentro de mim, forte e gutural, ordenando que eu matasse todos aqueles homens.
- Eu dou a ti o vigor de um touro e a fúria de um leão. Mate-os! – disse a voz em tom imperativo.
Por segundos eu não senti nenhum dor. Quando olhei para perto de onde estavam as latas de lixo, vi algumas garrafas de vidro. Empunhando uma e cada mão, atirei-me em completo estado de fúria. O primeiro ataque foi no homem da extrema esquerda, que estava violando-a. A garrafa estilhaçou-se em segundos. Em seguida, a garrafa quebrada serviu para eu cortar o homem ao lado da extrema esquerda, deixando-o atordoado. Após isso, quebrei a garrafa no homem ao lado do central do lado esquerdo. E depois, o central levou severos cortes. Nessa altura, os sete que estavam te violando haviam parado para correr atrás de mim. Corri para pegar mais garrafas e atirei no homem ao lado do central no lado direito. Empunhei novamente duas garrafas e quebrei ambas nos dois últimos homens. Com todos atordoados, perfurei o corpo de todos aqueles homens com as garrafas quebradas. Suas tripas se tornaram visíveis e o sangue escorria por todo o chão. Correndo para te socorrer, notei a estranheza de não ter visto qualquer reação da amiga. Ela estava morta. Aqueles animais estavam violando um cadáver.
Meu corpo estava manchado de sangue, e minhas vestes, ensopadas, mas eu não ligava para isso, eu só queira tentar salvá-la. Praticamente arrastei aquela garota por um quarteirão, até encontrar um lugar seguro. Parando lá, minhas dores voltaram. Desabei de dor ao lado do corpo dela. Caído ao lado dela, olhei fixamente nos olhos dela, e nesse momento, vi que a vida tinha retornado a ela.
- Por que isso aconteceu? – disse ela em um tom melancólico.
- Eu não sei. Desculpe-me por ter me atrasado. – falei numa tentativa falha de melhorar a situação.
- Tudo bem. Aqueles homens morreram. O apocalipse começou. Todo mundo vai se matar... por que tem que acabar assim? Por quê? – seu tom de voz triste se tornou raivoso, e por fim, desesperado.
- Não sei. Eu não sei! – as dores fizeram eu me alterar.
- Espero que o pós vida exista, e que seja um lugar bonito. – essas foram suas últimas palavras.
Eu odeio ter que me lembrar de como ela estava destruída naquele dia. Ser estuprada vendo a amiga de tantos anos ser estuprada mesmo depois de morta.
Todas essas lembranças consumiram um bom tempo, e essa longa viagem pareceu menor tendo algo em mente. Enfim, cheguei ao reino da beleza e do descanso: Hjator. Em breve encontrarei minha velha amiga, não mais como humana, mas sim, o Segundo Espírito, o Espírito da Paz.

O Mundo dos EspíritosOnde histórias criam vida. Descubra agora