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No dia em que Loren dormiu em minha casa, o tempo custou a passar. Estávamos tão ansiosas (para uma coisa tão boba) que, só para contrariar, o tempo parecia se arrastar, debochando de nós. As aulas no colégio não terminavam nunca, e detesto essa sensação.
Quando, finalmente, chegamos em casa, minha mãe estava fazendo o jantar, como de costume. Senti cheiro de batata, e logo me animei. Fomos até a casa de Loren para que ela tomasse um banho, pegasse suas coisas, e voltamos. Enquanto eu tomava banho, Loren arrumava suas coisas em meu quarto, e desceu para conversar um pouco com minha mãe. Elas estavam empolgadas, minha mãe estava feliz e Loren parecia uma criança assistindo desenhos vendo minha mãe cozinha. Desci, e só então comemos.
Durante o jantar, Loren olhava para minha mãe diferente. Ela tentava conciliar seus pensamentos com o momento que vivia, mas, para mim, estava nítido que estava encontrando dificuldades para isso. Do nada, Loren calava-se e ficava com o olhar vagando pela mesa de jantar, depois, do nada, voltava a falar sem parar, permitindo-se ser envolta pela conversa.
Assim que comemos, fui ajudar minha mãe com a louça. Loren continuou sentada na mesa, mas estava se sentindo um tanto que desconfortável por estar ali parada. Com passinhos de quem não quer nada foi entrando na cozinha. Eu queria rir do desconforto da princesa que mal sabia a função de um detergente, mas creio que consegui me conter.
- Loren, pode colocar esta vasilha no segundo armário? Aquele ali. - Disse apontando.
- Posso, sim. - E lá foi ela achar um espaço dentro dentro do armário para guardar a vasilha.
Foi assim até guardarmos tudo. Quando notamos que a missão louça fora cumprida, nos entreolhamos e subimos a escada correndo, rindo.
- Meninas, estátua! - Mamãe fazia isso quando éramos pequenas e corríamos pela casa, foi praticamente instintivo ficarmos imóveis.
- Tentem não fazer tanto barulho! Sei que vão passar a madrugada conversando, mas respeitem meu sono de beleza. Liberadas da estátua.
Mal entramos em meu quarto e Loren bate com o travesseiro nas minhas costas.
Se seria o início de uma guerra? Ah, com certeza!
É claro que não deixei barato e devolvi a pancada indolor, bem na cabeça. Ficamos nessa por cerca de uma hora, até que, exaustas, nos jogamos na cama e retomamos o fôlego.
- Loren, você acha que vai namorar com Lord Carter?
- Eu não sei. Ele disse que quer me ver de novo. Foi tão bom ter saído com ele... - Suspirou. - Estávamos tímidos, é verdade, mas ainda assim rimos bastante. Senti vergonha quando percebi que ele estava rindo da minha cara de boba enquanto admirava as fotos no museu, ele notou e disse que acha uma graça eu gostar tanto de fotografias. Não sei, Amy. Para mim, tudo estava perfeito, mas não sei se ele pensa o mesmo.
- Conte com detalhes, criatura. Quero saber mais do encontro de vocês.
- Ele estava me esperando na frente da fonte, no centro do parque. Andamos um pouco, conversamos e ele segurou minha mão. Falamos sobre a escola, sobre as fotografias, hobbies... Henri pesca com os tios aos sábados. Nos olhávamos o tempo todo, mas quando era olho no olho...
Eu imaginava cada detalhe. Todas as palavras de Loren viravam cena de filme na tela da minha imaginação. Ia acrescentando detalhes, como o som dos pássaros e das buzinas do carrinho de algodão doce, o ar fresco, crianças brincando com bambolês e bolhas de sabão, e tudo ganhava tom de magia.
- ... Quando era olho no olho, sentia frio na barriga e desviava o olhar, mas isso foi no começo. Depois fui ficando confortável, consegui encara-lo por alguns segundos. Andamos pelo museu, vimos todas as fotos. Henri tentava se aproximar de mim, sabe? Na hora de pagar o cappuccino, poderia ter passado na minha frente, mas não, fez questão de estender a mão por trás de mim, praticamente me abraçou...
Eu continuava imaginando cada detalhe.
Cheguei a sentir em mim o toque de Henri.
- ... Ele segurou minha mão o tempo todo...
Cheguei a sentir em mim o toque de Henri?
- ... Ah, Amy!, quando nos despedimos, foi com um beijo!
Um beijo!? 
Senti em mim aquele beijo!
Lá estava eu, mais uma vez, imaginando como seria ter a vida de Loren.
Isso acontecia com uma certa frequência, porque Loren é do tipo de pessoa que sempre vive as melhores coisas, faz as melhores viagens, tem as melhores roupas, possui a atenção de todos, é linda de morrer. Todas nós - sim, nós: eu, você, e qualquer outra garota - adorariam ter ao menos um dia de Loren na vida.
- Amy? Acabei de dizer que ele me beijou!
Estava numa nuvem, confesso. Cheguei a levar um susto quando Loren me chamou. Foi aí que parei de imaginar todas aquelas cenas comigo, e coloquei Loren nos braços de Henri de volta.
- Loren Manske, você é uma garota de sorte.
- Sou... - Respondeu rubra, lembrando do beijo.
Começamos a rir, brinquei com ela por estar toda vermelha, e ela ficou ainda mais vermelha. Foi me contando os detalhes sórdidos do beijo, disse que voltou para casa pisando em algodão com a ponta dos pés de tanta felicidade, e eu imaginei tudo com a Loren no papel de personagem principal - papel que pertence a ela, tão somente.
Mas, antes de dormir, pensei mais uma vez em como devia ser bom levar a vida da forma que ela levava. Sempre a mais popular, a mais bonita, a mais querida, a mais rica.

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