VII

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Saí de fininho do quarto de Loren, da casa de Loren, e de fininho entrei na minha. Já não adiantava mais dormir, então escolhi minhas roupas, tomei um banho e, pronta para a aula, fiz as tarefas que deveria ter feito na noite anterior, como a aluna exemplar que sou.
Estava sentada à mesa de jantar há um tempo quando ouvi os passos da dona Olivia pelas escadas. Como eu amo nossa mesa... Meu pai passou meses trabalhando nela. Coisa de artesão, de marceneiro caprichoso. É um retrato dele - um dos mil espalhados pela casa.
- Já acordada? O que está fazendo? - Mamãe desceu as escadas, esfregando os olhos.
- Não fiz a lição de casa ontem, estava com a loira. - Respondi sem dar atenção à surpresa dela.
- Certo... - Beijou-me o alto da cabeça. - Vou tomar um banho para acordar.
- Mãe, espera. - Fechei o caderno e indiquei com a mão para que se sentasse. - O que exatamente aconteceu ontem?
- Bem... - Puxou a cadeira e voltou-se para perto de mim. - Dimitri e Mia brigaram, Loren chegou bem na hora. Ela preparou o jantar da década para as visitas, e me tratou como serviçal, única e exclusivamente, o dia inteiro. - Dona Olivia se fez tão séria naquela hora, parecia ter decidido tratá-la apenas como patroa também.
- E o tio Dimitri não concordou, por isso a discussão? - Supus.
- Ele disse que foi exagero da Mia agir daquele jeito, não só comigo, mas também com os convidados. Mas não foi esse o estopim da discussão, até porque ele também já não me trata mais com o mesmo carinho. Tudo o que sei é que Loren se comportou muitíssimo bem - à contra gosto - e que Dimitri, em algum momento, deixou a mãe dela muito irritada. Ela o alfinetou sem parar longe dos ouvidos da elite que jantou lá.
O olhar de minha mãe se fez pensativo por um breve instante.
- Quero perguntar uma coisa.
- Diga, mamãe. - A entonação que usei fez com que parecesse calma. Juro que não estava. Essa história de tratar minha mãe como se ela não tivesse feito pelo tio Dimitri tudo o que fez me deixa nos nervos.
- Quero saber, Amy, o que pensa sobre falar com o advogado do seu pai para, sabe, preparar uma proposta de compra da casa. Porque se comprarmos uma parte do terreno e cuidarmos sozinhas da sua bolsa estudantil, então...
Ela mesma se interrompeu quando tirou os olhos da mesa e focou em meu rosto. Um ponto de interrogação enorme se fez nítido em mim. Não fiz ideia do que devia pensar quando minha mãe sugeriu comprar a casa, cuidar de tudo... Nós temos o cuidado do tio Dimitri, por que ela  se importaria com isso? 
- Filha, calma. Não é nada demais, eu prometo, Amy. - Senti o toque macio da mão dela acariciando a minha. - Eu só pensei que seria legal ter alguma coisa no meu nome.
Entendi que minha mãe queria se sentir segura. A casa, querendo ou não, não nos pertencia oficialmente. E eu sou muito estudiosa, poderia tentar a bolsa integral que o colégio fornece por causa da filantropia, assim os Manske Ivanovich não pagariam pelos meus estudos mais.
Em parte, fiquei preocupada com a ideia de, talvez, hipoteticamente, dona Olivia ter se sentido ameaçada, coagida ou constrangida, já que meus tios, especialmente a tia Mia, vinham mudando nos últimos tempos; em parte, como dona Olivia, também queria agarrar-me a tudo que ainda tenho, porque não suportaria mais perdas.
- Talvez, a princípio, tio Dimitri fique ofendido, mas sei que ele vai entender e ceder de bom grado. Afinal, nós também somos as mulheres da vida dele, não somos? - Disse sorrindo.
Minha mãe sorriu de volta, mas não um daqueles graciosos sorrisos que repousam em seus lábios costumeiramente. Foi um sorriso estranho que não consegui decifrar.
- Tem meu apoio. - Continuei afim de disfarçar minha expressão de dúvida. - Ele nos ama, vai ficar tudo bem. - Ganhei outro beijo na altura da cabeça assim que terminei a frase, porque ela já havia se levantado e debruçado-se sobre mim.
Não, meus tios jamais negariam isso a ela. Não, meus tios jamais constrangeriam-na assim. Apesar da ausência dele e do novo comportamento da esposa diante das visitas, chegara a ser ofensivo se que cogitar que meus tios teriam tal atitude. Senti-me envergonhada por tê-lo feito.

Resolvi ir mais cedo para o colégio. Liguei para Loren e disse que estava indo sozinha para lá, inventei uma desculpa qualquer da qual já nem me lembro mais. Pensei, no caminho, que talvez Loren quisesse companhia depois da noite que teve, e senti-me mal outra vez - o que não durou muito, porque me lembrei que Henri convidou-a para um café da manhã que ela aceitou sem hesitação. Talvez, voltei a maquinar, Loren tenha até achado engraçada a minha ligação, o meu aviso, já que eu estava segurando a mão dela quando Henri convidou e a loura disse sim. 
O caminho até o colégio foi tão leve. Éramos eu, o Sol, o vento, meus passos, meus pensamentos e nada mais. Corri para a biblioteca assim que cheguei, e descrevi em uma das últimas folhas do caderno que levei, com fluidez assustadora e deliciosa, toda a leveza que senti. 

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