Durante as aulas no dia seguinte, na presença de Loren, ria e conversava com ela, mas em sua ausência, sentia ser uma amiga ruim por ter imaginado tudo o que Loren contou acontecendo comigo enquanto ela falava. Loren é minha melhor amiga e me culpei durante o dia inteiro por ter feito aquilo novamente. Tentara aliviar minha culpa na volta para casa pensando que a vida de Loren é a vida que todos desejariam ter, mas não adiantou, porque "todos" não são a melhor amiga dela. E se Loren tem a vida perfeita, então o que havia deixado a loura endeusada tão cabisbaixa na biblioteca?
- Mãe, cheguei! - Soltei a mochila na poltrona e, sem resposta, vasculhei com o olhar a cozinha e a sala.
- Mãe? - E nada de a dona Olivia aparecer.
Lavei as mãos e fui até a mansão procurar pela mamãe.
Assim que atravessei a enorme porta da entrada principal, vi que tia Mia e tio Dimitri estavam em casa: ela sentada no canto do sofá e ele em pé no meio da sala.
O clima estava pesado, e carregado, e sempre, e tanto.
Senti que entrei bem no meio de uma briga, em uma daquelas pausas estranhas que as discussões têm - o que fez da minha entrada algo bem desconfortável.
- Amy, querida!
"Está me usando para não continuar a discussão, tia Mia?" - Pensei, arqueando desconfiadamente sobrancelha.
- Entre!, venha cá. - Disse estendendo a mão que suavemente me puxou para baixo, para um beijo no rosto.
- Oi, Amy. - Cumprimentou tio Dimitri, que depois me abraçou. Achei isso tão estranho.
- Mamãe está aqui? E Loren, onde está? Não voltamos juntas para casa hoje.
- Sua mãe está na cozinha, e Loren no quarto.
- Obrigada, tia. - Agradeci virando-me para o corredor.
- Amy! - Já estava de costas para eles quando tio Dimitri me chamou, ao escuta-lo dei meia volta.
- Sim, tio?
- Converse com Loren antes de ir, querida. Por favor.
Ah, eu não estava gostando nem um pouco do silêncio da mansão.
Consenti com a cabeça e tornei a caminhar para o corredor. Quando cheguei na cozinha, vi minha mãe, e ela também não estava com a melhor expressão do mundo.
- Oi, filha! - Pareceu supresa ao me ver.
- O que está acontecendo aqui, mãe?
- Acho melhor ir ver como Loren está, é bom que assim ela mesma conta tudo para você. Toma, leve chocolate com você, creio que vá precisar.
- Você é a melhor, mãe. - Dei-lhe um beijo e subi as escadas.A porta do quarto de Loren estava trancada, e a música bem alta. Ela estava chorando. Desde criança fazemos isso, encobrimos os soluços com música bem alta. Eu batia, mas ela ou não ouvia, ou pensava ser outra pessoa. Quando a faixa mudou bati mais forte, e então Loren abriu a porta. (Era dia de aproveitar as deixas.)
Os olhinhos da minha amiga estavam até inchados por causa do choro, e meu coração quase que se despedaça ao vê-la assim. Abracei com força a menina que mais parece uma bailarina de porcelana, por um momento tive medo de que ela fosse quebrar, então soltei-a de repente. Entrelaçando meus dedos aos dela, tentei transmitir o máximo de consolo, carinho e segurança cabível naquele gesto. Fomos até a janela, nos sentamos ali.
- Loren, o que está acontecendo? Primeiro a biblioteca, e agora a música e estes olhos inchados. - Disse tocando-lhe o queixo. Ela deu um soluço pequenino, de quem ainda não parou por completo de chorar. - Além do mais, que história é essa de dormir lá em casa para estar fora da sua realidade?
- Ah, Amy... - Loren abaixou a abeça. - Meus pais têm brigado tanto... - E os olhos tornaram a umedecer. - Eles compram coisas para mim, presentes e mais presentes, e eu os aceito fingindo acreditar no "vai tudo bem" que eles insistem em dizer sempre que apareço na hora errada, na hora de uma discussão. Posso pedir o que quiser, eles não me negariam nada.
- Nunca negaram, Loren. - Disse revirando os olhos para a princesinha mimada da mansão.
- É diferente agora, chega a ser absurdo até para mim. Mas eles vão comprando, eu vou aceitando; eles vão brigando, eu vou disfarçando...
- E assim entram todos em coesa falsidade. - Completei.
- Exatamente. - Loren respondeu num suspiro.
- Ah, minha mãe preparou para você. - Lembrei do chocolate e estendi a mão.
- Sua mãe é a melhor. - Ela sorriu de leve antes de devorar o bombom.
- Que tal se trancarmos de novo a porta, ligarmos de novo aquele seu maravilhoso aparelho de som e, feito as duas crianças retardadas que com certeza ainda somos, apagássemos as luzes e dançássemos? - Sorri travessa para minha amiga, que balançando os cabelos, limpando o rosto e sorrindo se levantou.
- Achei que não fosse propor. Geralmente a balada vem primeiro, e o papo depois. - O sorriso no rosto de Loren ergueu-me num salto. Arrastei-a pela mão até o aparelho de som que pisca colorido quando ligado, e fui tratar do resto: trancar a porta e apagar as luzes.
Naquela noite dançamos num frenesi absurdo. Nem comemos. Nós apenas dançamos até cairmos quase que desmaiadas de cansaço.
Loren dormiu a noite inteira, mas eu não. Acordei já perto de poder assistir o Sol nascer, e fiquei pensando em tudo que a loira contou. Não, tia Mia e tio Dimitri não se divorciariam. Talvez fosse um mal momento, mas que casal não passa por isso? Talvez Loren estivesse assustada porque antes os dois nunca a deixaram saber, mas já não era a hora de Loren perceber que, até mesmo no castelo, as pessoas podem se desentender?
A vida dela, mesmo com essa questão em casa, continuava ali, beirando a perfeição. E mesmo não gostando nada disso, continuava imaginando quão lindo devia ser estar na pele daquela loira.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amiga, Se Eu Fosse Você...
Teen FictionComo seria trocar de vida com a sua melhor amiga? Em "Amiga, Se Eu Fosse Você..." isso acontece! Amy e Loren trocam de lugar, e passam a entender muito mais sobre a vida uma da outra.