VI

14 0 0
                                    

Durante as aulas no dia seguinte, na presença de Loren, ria e conversava com ela, mas em sua ausência, sentia ser uma amiga ruim por ter imaginado tudo o que Loren contou acontecendo comigo enquanto ela falava. Loren é minha melhor amiga e me culpei durante o dia inteiro por ter feito aquilo novamente. Tentara aliviar minha culpa na volta para casa pensando que a vida de Loren é a vida que todos desejariam ter, mas não adiantou, porque "todos" não são a melhor amiga dela. E se Loren tem a vida perfeita, então o que havia deixado a loura endeusada tão cabisbaixa na biblioteca?
- Mãe, cheguei! - Soltei a mochila na poltrona e, sem resposta, vasculhei com o olhar a cozinha e a sala.
- Mãe? - E nada de a dona Olivia aparecer.
Lavei as mãos e fui até a mansão procurar pela mamãe.
Assim que atravessei a enorme porta da entrada principal, vi que tia Mia e tio Dimitri estavam em casa: ela sentada no canto do sofá e ele em pé no meio da sala.
O clima estava pesado, e carregado, e sempre, e tanto.
Senti que entrei bem no meio de uma briga, em uma daquelas pausas estranhas que as discussões têm - o que fez da minha entrada algo bem desconfortável.
- Amy, querida!
"Está me usando para não continuar a discussão, tia Mia?" - Pensei, arqueando desconfiadamente sobrancelha.
- Entre!, venha cá. - Disse estendendo a mão que suavemente me puxou para baixo, para um beijo no rosto.
- Oi, Amy. - Cumprimentou tio Dimitri, que depois me abraçou. Achei isso tão estranho.
- Mamãe está aqui? E Loren, onde está? Não voltamos juntas para casa hoje.
- Sua mãe está na cozinha, e Loren no quarto.
- Obrigada, tia. - Agradeci virando-me para o corredor.
- Amy! - Já estava de costas para eles quando tio Dimitri me chamou, ao escuta-lo dei meia volta.
- Sim, tio?
- Converse com Loren antes de ir, querida. Por favor.
Ah, eu não estava gostando nem um pouco do silêncio da mansão.
Consenti com a cabeça e tornei a caminhar para o corredor. Quando cheguei na cozinha, vi minha mãe, e ela também não estava com a melhor expressão do mundo.
- Oi, filha! - Pareceu supresa ao me ver.
- O que está acontecendo aqui, mãe?
- Acho melhor ir ver como Loren está, é bom que assim ela mesma conta tudo para você. Toma, leve chocolate com você, creio que vá precisar.
- Você é a melhor, mãe. - Dei-lhe um beijo e subi as escadas.

A porta do quarto de Loren estava trancada, e a música bem alta. Ela estava chorando. Desde criança fazemos isso, encobrimos os soluços com música bem alta. Eu batia, mas ela ou não ouvia, ou pensava ser outra pessoa. Quando a faixa mudou bati mais forte, e então Loren abriu a porta. (Era dia de aproveitar as deixas.)
Os olhinhos da minha amiga estavam até inchados por causa do choro, e meu coração quase que se despedaça ao vê-la assim. Abracei com força a menina que mais parece uma bailarina de porcelana, por um momento tive medo de que ela fosse quebrar, então soltei-a de repente. Entrelaçando meus dedos aos dela, tentei transmitir o máximo de consolo, carinho e segurança cabível naquele gesto. Fomos até a janela, nos sentamos ali.
- Loren, o que está acontecendo? Primeiro a biblioteca, e agora a música e estes olhos inchados. - Disse tocando-lhe o queixo. Ela deu um soluço pequenino, de quem ainda não parou por completo de chorar. - Além do mais, que história é essa de dormir lá em casa para estar fora da sua realidade?
- Ah, Amy... - Loren abaixou a abeça. - Meus pais têm brigado tanto... - E os olhos tornaram a umedecer. - Eles compram coisas para mim, presentes e mais presentes, e eu os aceito fingindo acreditar no "vai tudo bem" que eles insistem em dizer sempre que apareço na hora errada, na hora de uma discussão. Posso pedir o que quiser, eles não me negariam nada.
- Nunca negaram, Loren. - Disse revirando os olhos para a princesinha mimada da mansão.
- É diferente agora, chega a ser absurdo até para mim. Mas eles vão comprando, eu vou aceitando; eles vão brigando, eu vou disfarçando...
- E assim entram todos em coesa falsidade. - Completei.
- Exatamente. - Loren respondeu num suspiro.
- Ah, minha mãe preparou para você. - Lembrei do chocolate e estendi a mão.
- Sua mãe é a melhor. - Ela sorriu de leve antes de devorar o bombom.
- Que tal se trancarmos de novo a porta, ligarmos de novo aquele seu maravilhoso aparelho de som e, feito as duas crianças retardadas que com certeza ainda somos, apagássemos as luzes e dançássemos? - Sorri travessa para minha amiga, que balançando os cabelos, limpando o rosto e sorrindo se levantou.
- Achei que não fosse propor. Geralmente a balada vem primeiro, e o papo depois. - O sorriso no rosto de Loren ergueu-me num salto. Arrastei-a pela mão até o aparelho de som que pisca colorido quando ligado, e fui tratar do resto: trancar a porta e apagar as luzes.
Naquela noite dançamos num frenesi absurdo. Nem comemos. Nós apenas dançamos até cairmos quase que desmaiadas de cansaço.
Loren dormiu a noite inteira, mas eu não. Acordei já perto de poder assistir o Sol nascer, e fiquei pensando em tudo que a loira contou. Não, tia Mia e tio Dimitri não se divorciariam. Talvez fosse um mal momento, mas que casal não passa por isso? Talvez Loren estivesse assustada porque antes os dois nunca a deixaram saber, mas já não era a hora de Loren perceber que, até mesmo no castelo, as pessoas podem se desentender?
A vida dela, mesmo com essa questão em casa, continuava ali, beirando a perfeição. E mesmo não gostando nada disso, continuava imaginando quão lindo devia ser estar na pele daquela loira.

Amiga, Se Eu Fosse Você...Onde histórias criam vida. Descubra agora