- Quero ir, mãe.
Dona Olivia respirou fundo, sentou-se de frente para mim à mesa, como quando conversamos sobre comprar a casa.
- E quero que vá comigo. - Nunca tinha dito nada para minha mãe com tanta firmeza antes. Ela arregalou os olhos, pareceu-me um tanto assustada.
- Mas filha, não estamos de férias e os Ivanovich estarão fora, quem é que vai cuidar de tudo se não eu? E sabe que Rose ainda me lembra tanto...
- Mãe, é a nossa hora. Não vou ficar aqui e não vou para lá pela primeira vez sem a senhora. Nós vamos para a Itália visitar Rose.
- Amy, não é simples assim.
- Claro que é: Louis é responsável e honesto, pode dar conta de tudo por uns dias, e eu não terei problemas quanto às notas porque esbanjo créditos todos os anos. Avise os Manske que também estará fora, eu cuido de tudo no colégio e vamos fazer as malas! - Disse num salto, toda empolgada. Minha mãe riu.
- Você é terrível menina. Certo, certo, nós vamos. Converse com seus professores e com a coordenadora, eu vou orientar melhor o Louis e Rose terá de nos aguentar por uma semana inteirinha.
- A senhora é a melhor, mãe. - Beijei-lhe a testa e subi para meu quarto correndo pelas escadas.Ao chegar em Aurore, encontramos Jean-Lucca na coordenação. Como era de se esperar, o rapaz não tirou os olhos de Loren, porque ninguém tira os olhos dela. Henri também estava lá, e não parecia nem um pouco confortável com o olhar fixo que os encantos da loura atraem por onde quer que vá. Mas ali não havia nada que pudesse fazer. Até tentou passar o braço pelo ombro da namorada, mas fitou bem a coordenadora e repensou o ato.
(E é claro que eu tinha que perceber, e rir, porque é o que faço: vejo o que não é preciso.)
- Muito bem, Srta. Ivanovich, todos os trabalhos entregues na data e muito bem feitos, pelo que posso ver. - Loren olhou para mim e lançou uma piscadela enquanto a coordenadora falava. - Encaminharei aos seus professores, não se preocupe. - Voltando o rosto para Henri, ela continuou. - Sr. Carter, em que posso ajudar?
- Farei uma simples cirurgia, senhora. Se tudo correr como o planejado, estarei novo em folha para os torneios, mas no caso de uma recuperação lenta, outra pessoa deverá assumir as modalidades.
- Sendo assim...? - Sugeriu a coordenadora que Henri fosse direto ao ponto.
- Vim retirar a licença para que um dos reservistas treine comigo até a cirurgia, e no meu lugar depois dela.
- Eles são praticamente todos primeiranistas, indique alguém mais experiente, Sr. Carter.
- Não se adquire experiência do banco, senhora. - Todos arquearam a sobrancelha para Henri. O sempre tão polido Henri Carter contestando um membro da direção? Sorte a minha estar lá para ver.
- É certo que primeiranistas compitam e sejam inclusos igualmente em todas as atividades de Aurore, não? - Parecia um anjo, a própria Madre Teresa de Calcutá diante estava diante de meus olhos. - Apresentei a ideia para o professor de educação física, mas ele negou. Com a licença assinada pela senhora, não há nada que se possa fazer. - Continuou, ressaltando o poder que só a coordenadora têm de assinar aquele reles pedaço de papel.
Loren sorriu sem parar durante a conversa deles dois. Estava nitidamente orgulhosa do namorado, crente de que ele estava sendo, tão somente, solidário com a causa dos primeiranistas, que sempre acabam como staffers dos outros anos nos torneios. Se René e Pierre já não tivessem contado tudo, também estaria crente de que Henri é, apenas, bom, e não teria sentido vontade de rir com seu argumento.
René, Pierre e mais três amigos do Sr. Carter beberam como se não houvesse amanhã em uma festa, e chegaram na tarde seguinte na casa do príncipe de Loren em completamente embriagados. Em um outro dia, Henri teria apenas recebido os amigos e contornado a situação, muito provavelmente. Acontece que Loretta Carter encontrou cinco adolescentes completamente embriagados em seu jardim, e é claro que não gostou nadinha - ainda mais com as amigas riquíssimas esperando na sala principal. Henri ficou possesso por se complicar com a mãe e quase passar vergonha diante das ilustres visitas. Chamou alguns dos empregados para cuidar dos rapazes e escondeu-os em um quarto de hóspedes até que melhorassem.
Para vingar-se deles, colocar um primeiranista em seu lugar seria perfeito: poderia comprometer o entrosamento da equipe e não daria o privilégio de ser o capitão a nenhum de seus amigos.
Foi interessante assistir um exemplo de que com boa reputação e argumentos plausíveis, qualquer intenção pode ser mascarada.
Sempre, em todos estes anos observando Henri Carter, acreditei em uma versão divina daquele rapaz. Mas desde que ele e Loren assumiram compromisso sério um com o outro, passei a enxergar coisas nele que por algum motivo - sua exorbitante beleza, muito provavelmente - até então eu ignorava. Ele não era um ser divino. Era um garoto. Muito bom, mas ainda assim, um garoto. Era decepcionante, e ele não tinha culpa alguma. Culpo, sem medo de errar, meu talento em fantasiar basicamente tudo. O mesmo acontecia comigo, infeliz e frequentemente: quando me imaginava na pele de Loren, retornar para minha real vida era decepcionante. Todos estes pensamentos passaram tão rápido pela minha mente dentro daquela sala, que acabei chamando a atenção de Jean-Lucca, que do outro lado do cômodo encarava-me curioso. Acho que esbocei tantas reações diferentes em meu rosto, e em uma velocidade tão estranha, que ele não conseguiu ignorar.
- Muito bem, licença concedida. - A coordenadora abaixou a cabeça e começou a escrever. "Para todas as modalidades..." Tome, aqui está. - Ela estendeu o papel a ele e, enquanto ambos o seguravam, olhou em seus olhos e continuou. - Estou orgulhosa de sua iniciativa, Henri.
Ele aceitou o papel sorridente, e saiu com Loren da sala.
- Jean-Lucca, aqui está seu novo cronograma, incluindo a ausência da próxima semana. - A coordenadora disse repentina. - Deverá compensar nas próximas aulas, ficando até mais tarde e repondo conteúdo. É só isso, também pode ir. - Falou rápido, sem sequer olha-lo diretamente. - Amy, sua vez. - Fitou-me. - O que des...
- Amy. - Olhamos, a coordenadora e eu, surpresas para ele. - Desculpe interromper, senhora. Amy, esperarei por você ali fora, okay?
- Ah... Claro, tudo bem. - Meu rosto queimava. Ninguém em Aurore, ao menos enquanto novato, interrompe aquela mulher. Ele saiu da sala em silêncio, deixando-me ali, parada diante dela, rubra por sua, não sei, audácia.
- Certo... - Ela disse claramente incomodada, antes de voltar-se para mim com a feição gentil. - O que deseja, Srta. Morgan?
- Bem, gostaria de um cronograma como o de Jean-Lucca, porque também estarei fora durante a próxima semana.
- Vocês decidiram tirar férias antes da hora?
- Desculpe, senhora. Mas trata-se de algo que não pode esperar. Minha mãe e eu visitaremos a namorada de meu irmão. Ela está pronta para isso agora, não podemos perder a chance.
- Oh, querida... - Levantou-se de sua linda cadeira de couro preta, e afagou meu rosto. - Pode deixar, cuidarei de tudo, não se preocupe. Será um pouco complicado, mas ainda hoje entrego seu cronograma.
- Faço parte do conselho estudantil, tenho acesso às grades. Eu mesma organizo e trago apenas para sua aprovação, sim?
- Perfeito, querida! Agora vá, alguém espera atrás da porta e não é para mim.
- Obrigada, senhora. - Respondi sorrindo, e saí da sala.- Oi! - Jean-Lucca cumprimentou-me com um beijo no rosto. Estranhei até lembrar-me de que para ele deve ser comum cumprimentar assim. Estou acostumada a ser a intensa com as outra pessoas, mas não que sejam intensos comigo.
- Tenho uma coisa para te mostrar.
Conduzi o garoto até a praça dentro do colégio, há cinco minutinhos de onde estávamos antes.
- Nossa! - Disse ele olhando em volta. - Quanto tempo levarei para conhecer todos os espaços daqui?
- Isso depende, sobretudo, de um interesse descomunal em qualquer coisa que não tenha a ver com as aulas. - Respondi rindo.
- É o que queria me mostrar? - Perguntou aparentemente intrigado, arqueando a sobrancelha e depois dando uma volta em torno de si para ver o topo do prédio de Aurore que nos cercava.
- Não, não. Eu trouxe uma coisa... - Vasculhei Louise e peguei a carta. - Tome, veja. - Pedi, entregando-lhe o envelope. - Você é o "principe azzurro" de Rose.
Os olhos de Jean-Lucca correram pelas palavras que me foram escritas, e seu semblante fez-se sério.
- Ótimo. - Resmungou devolvendo-me a carta. - Você é a irmã de Johnny, então.
- Como é? - Arqueei a sobrancelha, tentando entender o tom que acabara de usar comigo.
- Obrigado pela recepção em Aurore. - Disse um pouco mais descontraído, porém ainda desconfortável.
- Foi um prazer, e não digo para ser educada. - Sorri.
- Bem, cumpriu o pedido de Rose. Acho que agora devo me virar sozinho. - Ele disse já mais sério, apontando para o caminho de volta às salas de aula.
- É por que pensa que apenas fiz o que ela pediu que está assim? - Cruzei os braços. - A carta chegou à mim hoje pela manhã. E mesmo que tivesse sido por Rose, que mal teria nisso? De todo modo teria sido gentil com você. Onde fiz mal? - Quis sinceramente saber.
Ele torceu o nariz, como uma criança birrenta.
- Não tem nada a ver com ter sido ou não um favor feito a Rose, está bem? - Jean-Lucca mexeu nervoso nos cabelos. - Desde que voltou, ela só sabe falar sobre você, e Johnny, e do quanto ama esse lugar, e que sua vida daqui para frente pode até ser muito boa, mas que jamais será...
Ele interrompeu sua própria fala com um suspiro, fitando meus braços cruzados.
- Ela era minha irmã. Antes de ser uma de vocês, Rose era nossa. - Jean-Lucca enfiou as mãos nos bolsos, falou em baixo tom, porém com precisão.
Diante dele, permaneci com os braços cruzados, sacudindo a cabeça em negação, indignada, com olhos e sobrancelhas a condená-lo, e punhos cerrados, quase prontos a esmurra-lo.
Como pôde dizer estas coisas?
- Perdeu o trono com Rose, é? - Zombei sarcástica, com a doce voz de quem conversa com criança chateada. - Lamento. - E guardei a carta em Louise.
Ao colocar-la nas costas e arrumar meus ruivos e longos cabelos, continuei.
- Sinto pela próxima notícia que tenho a dar, mas atenderei o pedido que minha Rose fez.
- Não.
- Sim. Mamãe e eu decidimos visitá-la na Itália. Rose quer que passemos a próxima semana inteira juntos. "Ter por perto mio principe azzurro, você e dona Olivia ao mesmo tempo, creio eu que será o mais próximo de uma família completa que posso chegar." - Leu isto na carta, não leu? Seu ciúme tosco... Será que pode suportar? - Falei, com a voz mais aveludada do mundo, com a mão pousando delicadamente sobre minha testa em falso desolamento.
Ele encarou-me sério, em silêncio, claramente irritado.
- Que bom. - Respondi contornando-o. - Até mais, querido. - Dei-lhe um beijo no rosto e segui meu caminho, saltitando como a donzela mais insuportável de Aurore - a que sou quando sinto que preciso.Idiota.
Então Rose encontra o amor de sua vida, seu lugar no mundo, e ele não consegue se alegrar por ela? O modo como falou sobre ela fora tão infantil, possessivo e sem nexo. Parecia o pai de Rose, em minha cabeça ambos soavam do mesmo jeito agora.
Rose amava meu irmão, e é claro que qualquer lugar no mundo longe do pai invasivo dela seria o paraíso - ainda mais com o amor de sua vida do lado.
Idiota!
Se bem que também não gostei quando Loren aceitou estar com Henri e não comigo antes de viajar... Mas é diferente, eu logo compreendi a situação dela, situação que, se comparada a tragédia da primeira história, certamente não é nada.Nunca que uma companhia agradável tornou-se irritante tão depressa.
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Amiga, Se Eu Fosse Você...
Teen FictionComo seria trocar de vida com a sua melhor amiga? Em "Amiga, Se Eu Fosse Você..." isso acontece! Amy e Loren trocam de lugar, e passam a entender muito mais sobre a vida uma da outra.