Capítulo 2 - Não esqueça

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  • Dedicado a MaryJaneMarianaSelen
                                    

2 – NÃO ESQUEÇA

            No próximo dia, foi dada uma festa "surpresa" da volta de Jane. Nem tão surpresa por terem acordado a garota ao tentarem encher os balões com um barril enorme de gás hélio e pela casa estar com um cheiro insuportável de comida queimada - alguém havia feito esta proeza na cozinha e, seja o que fosse, ela não queria saber. Jane apenas arrumou-se do melhor jeito que pode com sua pouca vontade e desceu as escadas de madeira que rangiam a cada degrau que seus pés tocavam. Após algum tempo, as pessoas que estavam tentando controlar a algazarra, perceberam a presença da menina. Todos gritaram desgovernadamente:

- Surpresa! – Seus conhecidos puseram as mãos para cima e deram um sorriso meio que desajeitado.

‘Querida, você não deveria ter acordado tão cedo!', falava a mãe, Olívia, repetidas vezes, levando a menina para algumas pessoas e as introduzindo.

          Jane não agüentava mais comentários como  ‘como você cresceu!’, ‘por onde você andou?’, ‘nossa, você está pálida’ e o que mais fazia ela querer se jogar dentro de um buraco: "você engordou, não é? Comeu muito fast food nos Estados Unidos?". Ela parecia ter sua cabeça em algum outro lugar e tudo o que fazia era acenar, não importando a pergunta. Não agüentando toda a conversa monótona e superficial, assim que eles começam a discutir sobre qualquer outra coisa que não a envolvia, Jane pega um casaco e sai de casa. Ela passeia pelas ruas e avista um lugar muito conhecido: um parque. Ela lembrara de novo de um acontecimento triste ou até repulsivo. Ela se aproxima e se senta em um balanço. Estava frio. Frio, como aquele dia... Aquele dia em que ela estava divertindo-se com seus amigos, exatamente naquele lugar. Conversava com o que achava ser o seu amor no telefone... Tinha calafrios ao lembrar daquele garoto. Bianca estava lá, mas se recusava a pensar nela. Ela nem sequer sentia um pingo de remorso por tudo que fez. Ela lembrava também de Rita, mas ela não a conhecia bem... Seus pensamentos foram interrompidos por risadas. Eles não paravam de rir. Já estava escuro, o que a fez acreditar que esteve sentada naquele balanço por horas a fio. Mas o que chamou a sua atenção não foi isso. As vozes eram conhecidas, e elas se aproximavam.

- Para, Bruno! – Uma menina gritou e riu.

           Ela ouviu aquela voz e estremeceu. Jane ficou paralisada, não podia acreditar no que ouvira. Mas quando as duas pessoas finalmente apareceram, ela deixou um arquejo escapar. Bruno e Sara estavam em sua frente. Sara era sua irmã mais nova e as duas não mantinham uma relação muito saudável, por assim dizer, e Bruno era seu antigo namorado, mas fazia menos de um ano que eles tinham terminado. Ela lembrava de caracterizar seu relacionamento com Bruno como 'uma incrível perda de tempo', algum tempo depois que eles terminaram. Muitos meses juntos, ambos achando que estavam apaixonados um pelo o outro, dizendo coisas doces e compartilhando segredos. Depois, vieram os tempos em que ele não parecia mais estar com ela, sempre alheio às conversas, sempre direto e sem querer conversar e então Jane percebeu que não era realmente culpa dele. Ela também encontrava-se sem assunto, sem motivação para manter ao menos uma conversa decente com o namorado.

          Mas, mesmo assim, depois de ter concluído que não perderia mais tempo com ele, um sentimento de fúria e mágoa veio ao seu coração, lágrimas caíram involuntariamente e ela levou às mãos a boca. Bruno foi sua primeira paixão, foi ele que ela beijou primeiro e foi com ele que ela passou meses, sem deixar o seu lado. Vê-lo com ela era como receber um tapa na cara e um golpe nas costas. Ela lembrava claramente de quando Sarah ainda estava na quarta série quando Bruno vinha visitar sua casa. Ver agora, os dois em um relacionamento que não fosse ele acariciando a cabeça daquela pequena garota, era algo surreal demais. No momento em que eles viraram para sua direção, ela enxugou as lágrimas e levantou-se do balanço. A sensação de que havia sido transformada em passado, não só por Bruno, mas por Sara, sua irmã, era um tanto que formigante. Tudo bem, ela não o amava, mas não esperava vê-los juntos.

- Bom, acho que você não sentiu a minha falta, certo? – diz ela, sarcasticamente encarando Sara.

Os dois ficaram boquiabertos.

- A quem você se refere? – diz Sara.

- A ele, claro. – Diz, virando-se para ele. - Sei que você está muito bem, Sara.

- Não é nada do que você está... – diz Bruno, mas foi interrompido.

- Do que eu estou pensando? Então o que seria isso? - A negação era a pior parte.

        De súbito, Sara agarrou o braço de Bruno e o beijou. Bruno parecia chocado e fez um teatro falso sobre tentar se desvencilhar, que era mais falso do que a bolsa que a mãe de Jane comprou no Centro da cidade. Jane ficou paralisada. Não precisava de mais explicações, entendera bem a mensagem. Mas ela não queria que fosse verdade. De um jeito egoísta, ela pensava que o seu primeiro amor seria apenas seu. Tolice sua e até hipocrisia. Sua irmã e seu ex-namorado, beijando-se na sua frente.

- Isso explica tudo. – Diz ela, em sussurro.

       E sai andando, quase correndo. Queria ir pra qualquer lugar, qualquer lugar seria bom, menos ali. Queria sair de lá o mais rápido possível, sentia lágrimas quentes saírem de seus olhos. Ela enxugava os olhos. Não acreditava que estava sentindo-se afetada por algo deste tipo. Que tipo de criança ela era? Encarava o chão e corria o mais rápido possível, agora que estava longe do alcance dos dois. Aqueles dois, ela sentia uma dor no coração só de pensar. De repente,  ela sente sua cabeça bater em alguém. Era uma pessoa, alta e tinha um cheiro agradável, que lhe trazia lembranças. O garoto colocou as mãos na cabeça da menina, e acariciou seu cabelo. Ela, espantada, levantou os olhos. Era um garoto moreno, alto, com olhos azulados, e cabelos encharcados de chuva, sua roupa era estranha, não muito usual para um dia como este. Era Mike. Ela o mirou e tornou a chorar, ainda com sussurros. Segurou o garoto e escondeu sua cara na blusa dele.

- Está tudo bem. – Dizia ele, franzindo o rosto.

          Com certeza, Mike não esperava que o reencontro deles fosse assim. A vira partir chorando e agora, a encontrava chorando. Estava chovendo mais forte, os dois ensopados, ficaram parados ali. Jane sentia algo mais acolhedor, sentia-se um tanto melhor. Apesar de ele ser atualmente a maior razão dos seus choros. Ele passou seus braços pelo seu ombro e os abrigou debaixo de um toldo de algum restaurante já fechado.

- Pronto, aqui está bom. Vamos ficar aqui esperar essa chuva passar, está bem? – Diz ele verificando se o seu isqueiro funcionava.

         Olhando para o rosto daquele garoto, encarando cada detalhe de sua face, Jane percebeu que não era por causa de Sarah e Bruno que ela chorava. Ela estava chorando por causa de tudo o que aconteceu. Parece que todos aqueles momentos em que ela se trancara em seu quarto não foram suficientes para deixar mais claro o que realmente tinha acontecido. O jeito como Bruno estava com Sarah trazia à mente dela a cena de quando ele... De quando ela foi trocada também.

- O... – começou Jane, ainda abalada.

- O...? – perguntou Mike, olhando-a em interrogação.

- O que você ta fazendo aqui? – Subitamente, ela exclamou, enxugando suas lágrimas, sentindo-se agora estúpida por tê-las derramado. – Você não estava nos Estados Unidos?

- Vamos deixar isso pra lá. – disse ele, fazendo um sinal para o chão. – Venha, sente-se aqui.

- Não! Quero saber o que está fazendo aqui! – disse ela, revoltando-se. Estava cheia de ser aquela que sabia de tudo por último. Queria ter uma resposta séria, pela primeira vez naquele dia.

        Ele levantou também, encarou-a por um tempo e depois riu. A menina revoltou-se mais ainda e começou a esmurrar o peito dele.

- Por. Que. Você. Está. Rindo?! – Gritava ela, batendo nele entre as falas.

Ele segurou suas mãos e a puxou para abraçá-la. Ela tentou se desvencilhar, mas ele não deixou.

- Fica só um pouco assim. – disse ele. - Senti saudades.

          Ela recomeçou a chorar, apesar de não querer. Não. Ela não podia perdoá-lo. Não depois do que ele fez. Suas palavras eram hipócritas, seu sorriso, amargava seu coração e seu cheiro a fazia recordar de momentos ruins, a lembravam de todos os outros. Apesar de caloroso, Jane sabia que ele não podia ser confiável. Assim como todos, ele também eventualmente foi embora.

Vivendo Uma História MitológicaOnde histórias criam vida. Descubra agora