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Ligeia - Cap. 1: LigeiaPág. 19 / 20

O cadáver, repito, agitou-se, e desta vez mais vigorosamente do que antes. As cores da vida surgiram na face com uma estranha energia, os membros relaxaram-se e, não fosse o facto de as pálpebras continuarem firmemente cerradas e as faixas e os panos fúnebres comunicarem ainda o seu carácter sepulcral ao corpo, bem poderia ter sonhado que Rowena tinha quebrado totalmente as cadeias da Morte. Mas se, mesmo nessa altura, não aceitei inteiramente esta ideia, não pude já duvidar quando, erguendo-se do leito, vacilante, com passo débil e de olhos fechados, ao modo de alguém desnorteado no meio de um sonho, aquilo que estava amortalhado se adiantou ousada e palpavelmente até ao meio do aposento. Não tremi, nem tão-pouco me movi, pois que um sem-número de ideias inexprimíveis associadas ao ar, à estatura e à atitude da figura, penetrando-me subitamente o cérebro, me haviam paralisado, me haviam petrificado. Em lugar de me mover, contemplei a aparição. No meu espírito reinava uma louca confusão, um tumulto implacável. Seria realmente Rowena viva que tinha diante de mim? Poderia de facto ser de alguma maneira Rowena, Lady Rowena Trevanion de Tremaine, dos cabelos louros e olhos azuis? Porquê, sim, porquê duvidar? A faixa comprimia fortemente a boca; mas não poderia ser a boca da dama de Tremaine que respirava? E as faces? Viam-se nelas as mesmas rosetas do que na primavera da vida. Sim, podiam efectivamente ser as belas faces da dama de Tremaine. E o queixo, com as suas covinhas, como enquanto sã, não podia ser o seu? Mas teria ela crescido desde que adoecera? Que inexprimível loucura me acometeu ao ocorrer-me tal pensamento! De um salto, precipitei-me aos seus pés! Encolhendo-se ao meu contacto, deixou tombar da cabeça o horrível sudário que a envolvia, e soltaram-se então, na atmosfera agitada do aposento, cachos enormes de cabelo longo e desordenado; era mais negro do que as asas de corvo da meia-noite! A seguir, a figura que tinha na minha frente abriu lentamente os olhos.

Ligeia - Edgar Allan PoeOnde histórias criam vida. Descubra agora