— Hum... então ceis tão quereno sabê onde é que eu encontrei aquele moribundo? Posso sabê purquê? — Francisco estava apoiado na porta do seu mercadinho, fumando um cigarro de palha, enquanto encarava Henrique. Ele usava um boné desgastado e tinha o rosto coberto por uma barba branca. Usava uma camisa xadrez com uma calça jeans velha e botinas pretas.
— Nós queremos saber de onde ele veio — respondeu Henrique.
— E isso num é trabai pra pulícia? — O velho, que tinha a fama de ser mal-humorado, não estava querendo colaborar. Henrique já estava quase desistindo, quando Otto saiu do carro, se aproximou e falou com sua voz imponente:
— Boa tarde, Francisco.
— Boa tarde, sinhô Otto — ele tirou o boné da cabeça e fez uma pequena reverência.
— Veja bem, o homem que você encontrou hoje de manhã acabou de morrer — Francisco se benzeu —, mas antes disso acontecer, ele falou meu nome e pediu a minha ajuda. Agora, para que eu possa ajudá-lo, eu também preciso da sua ajuda. Será então que você poderia nos dizer onde exatamente o encontrou?
O velho torceu o boné em suas mãos e atirou para longe o toco de cigarro que estava em sua boca. Ele não queria ajudá-los, mas também tinha medo de desrespeitar o pedido de um padre, mesmo sabendo que Otto não estava mais celebrando as missas em Pedra Branca. Por fim, ele disse:
— Certo... eu tava seguino pela MG-347, indo pra Pouso Alegre. Mal tinha saído da cidade quando vi o rapaiz saindo que nem um difunto do meio da mata. Quase que eu atrupelo ele. Num tenho nenhuma referência pá dá, mas acho que num andei nem cinco quilômetro antes de encontrá o homi.
— Bom, isso já ajuda — Otto coçou o queixo. — Você sabe me dizer se por ali tem alguma estrada de terra?
— Oia padre, seguino reto eu sempre passo por uma estradinha. Acho que praqueles lado tem uma fazenda. É mió o sinhô perguntá por lá.
— Muito bem. Obrigado pela ajuda, Francisco — o padre começou a se virar, mas voltou a olhar para o velho. — Ah, mais uma coisa. Você já ouviu falar de um lugar chamado Vale dos Sussurros?
Francisco o encarou por um momento, seu rosto se manteve carrancudo, mas Otto podia jurar que viu uma sombra de medo passar por ali.
— Não. Nunca ouvi falá. Cum licença. — O velho colocou o boné na cabeça e voltou para dentro do armazém.
Os dois amigos voltaram para dentro do carro e Henrique começou a dirigir.
— Você acha que ele estava mentindo?
— Não sei — Otto observava a paisagem pela janela. Nuvens escuras começavam a tomar conta do céu. — Algumas pessoas são muito supersticiosas. Talvez ele já tenha ouvido histórias sobre o lugar e por isso se assustou quando eu perguntei. Sua atitude não quer dizer que esteja escondendo alguma coisa de importância.
— É... não é à toa que bastou você sair do carro para que o desgraçado começasse a falar. Comigo, parecia que eu estava tentando tirar leite de pedra.
Otto deu um de seus raros sorrisos e depois os dois ficaram em silêncio enquanto o carro continuou rodando. As ruas de cascalho logo deram espaço à rodovia asfaltada e os dois amigos seguiram adiante até que Pedra Branca desaparecesse por completo, restando somente uma estrada deserta, lindas paisagens verdes e um céu cinzento sobre suas cabeças.
O mapa estava aberto no colo do padre e ele tentava calcular onde exatamente estavam. De acordo com Francisco, havia uma estradinha de terra e uma fazenda por ali. O painel do Santana indicava que eles já tinham andado quase dez quilômetros e ainda assim não tinham visto qualquer sinal de civilização. Havia apenas árvores e mais árvores de ambos os lados da rodovia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Vale dos Sussurros
Mystery / ThrillerQuando um homem à beira da morte chega na cidade de Pedra Branca dizendo palavras desconexas sobre um lugar chamado Vale dos Sussurros, Otto Weergang, um padre em conflito com sua própria fé, decide investigar esse mistério no momento em que ouve o...