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Capítulo 3


Otto Weergang...

Tudo estava escuro. Sabia que seus olhos estavam fechados, mas não conseguia abri-los. Tentou se mover e descobriu que não sentia seus membros. De repente, um calor inundou seu corpo e ele ouviu o inconfundível som do crepitar de chamas. Sentiu que fagulhas tocavam sua pele, queimando-o levemente.

Tentou se mover novamente, mas seu corpo permaneceu imóvel. Apurou seus ouvidos e então ouviu os sussurros.

Um coro de vozes ressoava uma ladainha em diversas línguas. Reconheceu o aramaico, grego, hebraico, mas não conseguiu distinguir o que diziam. O coro foi aumentando sua intensidade e o tom foi se tornando ameaçador. Pela primeira vez, em muito tempo, sentiu medo. Temeu não só por sua vida, mas por sua sanidade. As fagulhas que tocavam sua pele agora ardiam, sentia que sua pele se enrugava e começava a se desprender do próprio corpo.

Ouviu novamente o chamado.

Otto Weergang...

A voz era grave, se sobrepondo aos sussurros ao seu redor. Ele não podia ver quem estava falando mas, pelo tom de voz, imaginou a mais peçonhenta das criaturas. Nenhum humano seria capaz de falar daquela forma, sedutora e ameaçadora ao mesmo tempo.

Tentou ignorar a voz e os sussurros. Se pudesse mover seus braços, teria estourado os próprios tímpanos para deixar de ouvir aqueles sons torturantes. Mas não conseguiu fazer nada, ficou apenas sentindo sua pele queimar, até que reconheceu o latim dentre as várias línguas recitadas pelo coro infernal:

— Ave Dominus Mendacium! Ave Caecus Dei!

Salve o Senhor da Mentira! Salve o Deus Cego!

A dor se tornou insuportável e ele tentou gritar, mas som algum escapou de sua garganta. Os títulos demoníacos deixaram-no aterrorizado, desejou morrer a ficar naquele suplício.

Otto Weergang! Este é um território proibido!

A voz era como o sibilo de uma serpente, invadindo seus ouvidos e instalando-se em sua mente como um parasita. Sentia a maldade naquele som quase como se fosse palpável. Tentou ignorá-lo, mas não conseguia.

Corpo e alma pagarão por sua heresia e seu sangue regará essa terra!

Vozes ainda recitavam seu coro em línguas desconhecidas, mas quando as ameaças proclamadas se silenciaram, todos os sons ao seu redor diminuíram, como se estivessem se afastando. Pouco a pouco tudo se calou e ele foi deixado somente com o leve crepitar das chamas. As dores de sua tortura também desapareceram. Moveu seus braços e percebeu que tinha novamente o comando sobre seus membros. Suas pernas estavam dormentes e sentiu que algo o pressionava no tórax, como se estivesse deitado com alguém se equilibrando em seu peito.

Finalmente, abriu os olhos.

De início, Otto pensou que estivesse cego, pois ainda continuava na escuridão. Mas então um relâmpago estourou no céu, iluminando tudo ao seu redor.

Ele não entendeu onde estava. Sua mente estava confusa e demorou a captar as imagens que se formaram ao seu redor. A primeira coisa que compreendeu foi o som. Não era o crepitar de chamas que estava ouvindo, mas sim o som dos pingos de chuva se espalhando pelos entulhos ao seu redor.

O Vale dos SussurrosOnde histórias criam vida. Descubra agora