O sonho era o mesmo. Não era bem um sonho, era uma memória. Uma memória a tempo esquecida que voltara para atormentar Helena. Era uma jovem garota, pouco mais de vinte anos, e estava no navio da sua família com destino misterioso.
Helena dormia tranquila no navio, pois sabia que sua mãe estava lá para lhe ajudar.
- Aonde vamos, mãe? – perguntava uma nervosa jovem Helena.
- Resolver nossos problemas, minha filha, vamos resolver nossos problemas.
Helena não sabia do que se tratava. Não podia pensar em nada que precisasse ser resolvido. Ainda era jovem, tinha sua beleza intacta, acabara de casar com um dos grandes partidos locais, Richard, o rei de Ur, recém chegado de uma sangrenta guerra com as bruxas. Helena, antes dos seus trinta anos, tinha se tornado rainha de todo um povo e não podia estar mais feliz com isso.
Helena era uma menina de convicção. Adorava o posto de rainha, mesmo que poucos tenham sido os dias de seu reinado até o momento, mas não se conformava com um reinado neutro. Era uma menina inteligente, proativa. Se ensinara a ler muito cedo, com os pequenos livros da casa de sua avó. A noite, ouvia a velha senhora ler histórias sobre mitos da história de Ur, como "Euclides, o mão de ferro" ou "Roberto II, o rei dos livros" e se animava cada vez mais com a ideia da leitura. Estava determinada a ser uma rainha presente e influente. Seria a grande referência que muitas garotas teriam ao crescerem em Ur.
Helena sempre tomara gosto das artes. Era uma grande fã de poesias e lia grandes autores urianos, o próprio rei Roberto II, por exemplo. Escrevia suas poesias também, secretamente, mas tinha muita vergonha de mostra-las para as pessoas.
- Vamos, Helena – a voz da Susana, sua mãe, interrompera os pensamentos vagos de Helena. – Chegamos.
- Chegamos aonde, mãe?
- Em Mura, minha filha. Aonde a magia é mais forte.Mura continuava a mesma que Helena se lembrava. Era o maior centro comercial por perto, tinha vários pontos turísticos que faziam orgulhosos os moradores murenses. Tinha uma arquitetura um pouco atrasada, comparada a Ur e não tinham escolas tão boas, mas ainda assim era o principal local para passar as férias nas redondezas.
Susana arrastava Helena como se estivessem fugidas dos guardas reais.
- Observe. – Susana olhava para cima no centro da cidade, encarando a Fortaleza Prateada, o castelo de Mura. – Edgar tenta copiar Ur, mas nunca conseguira. O seu prata nunca será melhor que o nosso ouro.
O ouro do Castelo Real realmente é lindo, pensara Helena. Brilhava a distância e fazia Ur ser notada de longe.
Finalmente, as duas pareciam ter chegado ao seu destino. Um pequeno terreiro afastado da cidade, isolado pelos matos, com um pequeno casebre no meio. Era escuro, tornando tudo mais macabro. Na porta do casebre, uns desenhos se faziam notar nas paredes, desenhos que lembravam Helena das bruxas.
- Mamie, a senhora está em casa? – Susana gritava para o escuro que dominava o interior do casebre.
- Bem-vindas, minhas filhas... – uma voz ácida tomava conta do ar. Helena não poderia dizer de onde a voz vinha, parecia vindo de todos os lados. – Podem entrar. As espero ansiosamente a dias...
- O que estamos fazendo aqui?
- Você vai saber.Mamie era uma senhora com menos de um metro e meio que sentava numa mesa branca ao lado da janela. O ar frio das noites de Mura batiam no rosto da velha e voltava quente.
- Sente-se, jovem pedaço de uma flor. – Fazia gestos para uma cadeira de frente com a sua.
- Sente, minha filha.
Helena se senta, nervosa, e teme por quem seja aquela senhora.
- A senhora pode nos ajudar mesmo, Mamie?
- É claro que posso, bela senhora. A pergunta é... será que irei ajuda-las? Me digam, o que tanto procuram?
- Minha filha, Mamie, ela acaba de se casar com o rei de Ur, o maior partido que está completamente apaixonado por ela. Ela é rainha de todo um povo e todos a amam.
- Porém... – a voz da velha arrepiava Helena dos pés a cabeça. Ela ainda não conseguia imaginar o problema.
- Porém, minha filha não o fará feliz por muito tempo.
- E por quê disso? – a velha ria
- Ela não pode gerar filhos para o rei.
Helena põe a mão sobre a sua barriga e sente o lugar vazio. Sabe que o que a mãe diz é verdade.
- Como sabe disso, minha mãe?
- A senhora que me indicou Mamie.. ela pode ver esse tipo de coisas. Ela me confirmou o que eu já temia.
- Uma bruxa, você quer dizer?
- Cuidado com o tom, senhorita. – Alguns objetos se movem em volta de Helena. – Você veio a uma bruxa atrás de ajuda. Respeite-nos.
Helena não se sentia bem recebendo ajuda de uma bruxa, mas sabia que era uma mal necessário. Sabia como as coisas funcionavam e a paixão que sentia por Richard não seria suficiente se não pudesse o dar uma família, herdeiros.
- O que eu tenho que fazer? – Helena olhava determinada para Mamie.
- Bem... toda magia vem com um preço, flor. Eu posso lhe dar quantos filhos quiser. Homens, mulheres, altos, baixos. Mas você tem que me dar algo em retorno.
- Nossa família tem dinheiro, diga o preço, nós pagamos. – Helena não tirava o olho da bruxa.
- Eu não quero seu ouro, jovem. Ouro não move o mundo, as pessoas sim. Eu participo de um movimento quase morte, dizimado. Estamos nos erguendo. Queremos pessoas. E você, minha jovem, é uma ótima candidata.
- Não ouse. – Susana parecia revoltada.
- Você está me pedindo para ser uma bruxa?
- Não estou pedindo, estou dizendo. É a condição.
Tudo passava rápido demais na cabeça de Helena, tinha muito a considerar, era o futuro de todo um reino.
- Eu não posso ser uma bruxa e a rainha de Ur ao mesmo tempo. Meu marido quase morre lutando com as bruxas a pouco tempo.
- Um acordo, então... – a velha ria. – A sua magia estará guardada dentro de... é.... esse colar – e com um movimento de mãos um simples colar usado pelas mulheres de Mura aparecera na mão da bruxa. – e estará ligada a vida do seu marido. Quando ele morrer, se você ainda estiver viva, esse colar sumirá, e então...
- Eu serei uma bruxa.
- Exatamente. – a velha se lentara e colocara o colar no pescoço de Helena pessoalmente. – Tudo que tem que fazer é manter Richard vivo.Helena acordara com o barulho da porta. Essas memórias já a consumiram uma vez e voltavam a fazer o mesmo.
- Rainha... – uma jovem garota que lhe servia estava na porta. – Ele chegou. O Mura Exploratória acabou de ancorar. Edgar está aqui.
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O Veleiro Negro - As Crônicas de Ur II
FantasyCom o retorno de Jonas, antigo espadachim, novas informações sobre o paradeiro de Anna são reveladas e um grupo de corajosos guerreiros é formado para ir em busca da arqueira. O grupo embarca no Veleiro Negro, sob comando do carismático pirata Capit...