IV - Richard

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- Pela saia da deusa misericordiosa, Jonas! – Richard gritaria ao assistir a cena.
Era a realização de todos os seus pedidos aos deuses. Como governante, não soube se portar durante o sumiço da linha de frente na defesa de Ur.
- Não espero que superemos, não, nunca. – começou seu discurso quando Jonas e Anna sumiram.- É nesses momentos em que os povos devem se juntar. Somos um, e não há nada que nos diga o contrário. Dentro de mim, carrego a esperança que ainda estejam vivos... eu...
- Eles estão vivos. – Helena se levantou da sua cadeira ao lado de Richard, no salão aberto para todos ouvirem as notícias da boca do rei – Temos que lembrar o porque de termos eles como defensores de Ur. Eles são corajosos, destemidos... eles são os melhores de suas salas. Um espadachim tão hábil que não há mal que resista. Uma arqueira tão certa de sua mira que não existe alvo que não consiga acertar. Todos sentiremos as suas faltas, mas estou certa que os verei de volta.
E estava certa, pensou Richard.
- Meu rei, Richard, minha rainha, Helena. – Jonas prestou suas reverências.
Richard tinhas um sorriso que ia da ponta de uma orelha para a outra. Olhava ao redor e sentia o calor receptivo emanando de todos os cidadãos sobre seu comando.
Uma pessoa, porém, escondia seus sentimentos. Pietro olhava para a cena com a cara fechada que normalmente circula pelo reino. Seus olhos, todavia, contavam outra história. Richard conhecia o velho Pietro, conhecia sua natureza. Sabia o quanto se preocupava com os seus pupilos e o que tudo aquilo significava.
Jonas, depois de alegremente prestar seus respeitos a Richard e a rainha, vira-se para Pietro e não segura o sorriso quando seus olhares se encontram.
- Professor.
- Você me paga, garoto. – Tentava falar Pietro enquanto abraçava Jonas.
O sorriso de Richard rapidamente fora roubado. Seus pensamentos não se calavam, para sua tristeza.
- Garoto... onde está Anna?
A alegria era sugada de todos ao redor. Todos, nesse momento, sabiam que uma peça faltava para aquela imagem se tornar completa.
- Essa é exatamente nossa prioridade, senhor. É isso que tenho que informa-los. Eu sei onde Anna está.
- Vamos entrar, rapaz. Eu, você, Helena e Pietro precisamos conversar em particular. – Richard vira-se e olha para seus filhos. – Façam companhia a Edgar e não deixem a celebração acabar. Temos mais motivos agora!
- O senhor deveria chama-lo também.
- Quem? Edgar?
- Sim... Anna está em Mura.

Richard lidera todos para a sala ao lado dos tronos. É o principal cômodo para as discussões do castelo. Tinha uma janela ao lado da porta, uma mesa e cinco cadeiras ao redor. Nas estantes, livros que Richard e Helena herdaram de Roberto II, todo o tipo de literatura ao alcance de Richard. Ele não era nenhum fã da leitura, mas o quarto era muito visitado por Lyvia, sua filha mais nova, que sempre investia boa parte de seus dias em descobrir todos os gostos literários do antigo rei.
Era uma das poucas alegrias de Richard, atualmente. Helena estava com muitas suspeitas. Desde a missão de Zachary e Charles, ela estava certa de que Ur estava sob ameaça de um ataque de bruxas a qualquer momento. Richard não podia discutir. Concordava com Helena. Não deixava transparecer, mas atuava sob o medo. Criara o Triângulo como uma maneira de observar a todos que entravam e saiam de Ur, mas a construção não parecia terminar nunca, o que aumentava a aflição do rei.
Sua filha mais velha, Joyce, queria abandonar o reino e ir estudar na Academia Oeste, onde aprenderia tudo que precisava sobre a vida na guarda, a guerra constante que é a vida de defensor, e voltaria para integrar a Guarda Real. Ideia que não agradava em nada Richard, mas que Helena não parecia achar nada de errado.
Oliver, seu filho do rei, o príncipe de Ur, não tem nenhum nas lutas, por outra mão. Adorava tudo sobre o reinado e as políticas que Richard fazia, por muitas vezes o ajudava, menos a parte que mais chamava atenção do pai: a luta. O campo aberto e as espadas brigando. Esse era o local onde Richard esquecia de tudo. Mas não estava em nenhum campo de batalha... tinha de se lembrar de tudo e estar mais acordado que nunca.
- Sente-se, Jonas. – Richard apontou para as cadeiras e se apoiou ao lado da janela enquanto os outros se sentavam também.
- Isso é um absurdo! Como eu não soube que os nobres guerreiros de Ur estavam nas minhas terras? – Edgar se penalizava com as palavras.
- Você não tem culpa, caro rei. Nenhum de nós sabia. Todos estamos em estado de choque.
- Sabe-se lá o que acontece em Mura, não é? – Pietro trabalhava em seu melhor tom irônico.
- Não importa nesse momento, importa? – Richard se mantinha curto e grosso – Como você conseguiu chegar aqui, garoto?
- Eu lhe contaria se eu soubesse como, meu senhor. – Jonas falava calmamente. – Eu sabia que eles tinham guardado nossas armas em algum local, só esperei a chance e tentei minha fuga. Deu certo.
- Qual foi sua chance, Jonas? – Helena olhava atentamente para o espadachim.
- Edgar. Todos se reuniram para se despedir dele. Eu ouvi elas falando que ele iria vim para cá e que iam na despedida dele, foi minha chance. Depois que eu consegui sair, eu dei um jeito de entrar no Mura Exploratória e foi assim que eu cheguei aqui... mas duvido que elas tenham me deixado. Alguém deve ter vindo atrás de mim.
- Quem são elas, rapaz?
- As bruxas, senhor, elas me prenderam. Elas dominam os poderes e podem fazer de tudo! Alguma deve estar por aqui senhor, passando despercebida. Pode ser um objeto, pode estar em alguma daquelas mesas lá fora, pode ser um animal.
Pietro apertou seu pulso como se sentisse uma dor antiga.
- Ah, elas estão aqui, com certeza. – Pietro levantou sua manga e revelou uma cicatriz enorme no pulso. – Uma delas me visitou mais cedo, durante a aula... feliz que não tenham vindo só por mim.
- Onde vocês estevam lá em Mura?
- Era uma espécie de subsolo ou algo do tipo... quando eu sai, a rua estava cheia, não consegui identificar. Só consegui fugir e não olhar para trás.
Richard ficara parado, pensando em toda a situação. Era importante o resgate de Anna, era importante o retorno dela para o reino. Era importante para Richard.
- Edgar e Jonas, nos deem licença, por favor. Temos muito o que falar.

Richard entendia os riscos, mas ele não podia ficar parado. Mura era um terra "aberta" em relação a magia. Não apoiavam, mas também não repudiavam. Fica ao gosto do cidadão. O rei de Ur, o reino que mais luta contra magia em seu território, nessas terras e numa missão direta contra as bruxas. Não parecia uma ótima ideia.
- O que fazemos? – Richard olhava para todos os livros que Lyvia tanto gosta
- Não é óbvio? Nós salvamos Anna. – Pietro via tudo em preto e branco, independente da situação.
- Existe as implicâncias, claro. – Helena era sensata. – Mas você indo com Edgar, estaremos bem.
- Edgar não tem poder nenhum contra magia.
- Mura é uma bagunça, uma ilusão de bom funcionamento. O governo não olha e eles fingem gostar. É assim que o povo funciona.
- Eu não diria uma bagunça, eles são menos firmes que nós... e isso pode colocar você em perigo, Richard.
- Então, está decidido?
- Montemos um grupo, um pequeno grupo para participar dessa discreta viagem a Mura. Você, Pietro, Tobias e Edgar. Vocês três, com a liberdade e apoio brutal que Edgar terá que ceder, por razões políticas, conseguem resolver a situação e trazer Anna de volta. Eu fico aqui, com Charles e Zack. O reino consegue se mantar de pé.
- Nós vamos, então. Saímos amanhã. Tudo bem para você, Pietro?
- Vamos trazer a minha aluna de volta.

- Tobias! – Richard pedira para todos voltarem para a festa e ficara refletindo na sala dos tronos. Sentado, pensativo, vira o chefe de sua guarda passar e tinham muito o que conversar.
- Meu senhor.
- Temos uma missão, Tobias, talvez uma das mais importantes e mais perigosas. Estaria disposto?
- Eu me tornei parte da guarda real para proteger e preservar, se existe algo que precisa da minha ajuda, lá estarei, meu senhor. Em nome de Ur.
Em nome de Ur.
Essas palavras ficaram na cabeça de Richard. De repente, tudo era claro. Não existia espaço para dúvida, não existia motivo para repensar nada. Tudo era em nome de Ur. Todo esforço valia a pena se fosse em nome de Ur. Esse era o trabalho que tinha, era essa a função que tinha que defender.
- Você nunca esteve tão certo, Tobias. É isso que fazemos, não é?
- Do povo para o povo, senhor.
- Do povo para o povo, com certeza. Mas talvez, dessa vez, não o povo que eu gostaria de estar lidando. Vamos aproveitar a chance de uma visita para Mura, Tobias. É onde Anna está, onde Jonas estava. Onde a magia é forte e a razão para tudo isso. É o que temos que enfrentar.
- Se me permite, senhor – e Tobias se aproximou de Richard. – O rei, um dos maiores que já tivemos, Roberto II, foi ele que derrotou as bruxas. Não foi com uma espada, não foi com uma lança, muito menos com um arco. Ele derrotou as bruxas com o caráter e com a dignidade, meu senhor. E isso, o senhor tem de sobra.
Tobias estava certo. Não somente pela parte que alimentava a auto estima do rei, não. Richard admirava a coragem de Roberto de uma maneira diferente que Roberto admirava a sua. Era destemido de sua própria maneira. Era respeitado. E não tem nada mais aterrorizante do que brigar com um homem que é respeito por todos ao seu redor.
- Lindamente colocado, Tobias. Obrigado, pode ir para casa, amanhã nós partimos.
- Antes disso, senhor, eu já vinha aqui antes de me chamar. O senhor tem que ver isso...
- O que?
- O navio de Edgar, o Mura Exploratória, pegou fogo.
A ameaça estava mais perto do que Richard suspeitava.

O Veleiro Negro - As Crônicas de Ur IIOnde histórias criam vida. Descubra agora