II - Sofia

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O dia não trazia nenhuma novidade para Sofia. Acordara cedo, como de costume, mas dessa vez sob muita pressão:

- Você não quer ser o motivo da morte do quase centenário rei de Mura, quer? – seu pai, Tobias, falava da porta de seu quarto, esperando Sofia acordar.

- O homem tem noventa e seis anos, pelos deuses. – Ela esfrega as mãos na cara. – Se ele morrer, a culpa não é minha.

- O rei e a rainha querem o maior número de guardas que puder. Vamos, você entrou para a guarda real porque quis.

- Quero cada vez menos... deuses, ainda está escuro!

- O navio do rei não vai esperar você acordar! – e saiu do quarto deixando a porta aberta.

Ele vai ter que esperar, pensou Sofia. Geralmente ela se dedicava inteiramente para suas atividades no Castelo, cuidando da segurança de Richard e Helena, ignorando totalmente seus desejos de uma vida pessoal, mas hoje era diferente. Uma das poucas coisas que Sofia desejava ter na vida, era uma mãe. Crescera no Orfanato da Senhorita Jacob, sendo encontrada pelo pai, Tobias, quase no fim de sua infância. Ganhara uma casa perto do Castelo Real e, mais tarde, um emprego na Guarda Real, mas nunca tivera uma mãe. Não a conheceria se a visse nas ruas. Nunca tivera o prazer de conhecê-la.

"Não perdeu nada", dizia seu pai toda vez que questionado sobre a mulher que dera vida a Sofia, "você tem a mim e eu a você... o que mais precisamos?"

Sofia não podia reclamar do pai, sempre fora excelente para ela e conseguia a proteger de tudo, mesmo tendo como prioridade na vida defender o casal real a qualquer custo, mesmo que esse custo seja sua vida, eventualmente. Sofia temia isso. Sabia que um dia chegaria a notícia que seu pai morrera defendendo o rei e a rainha. Ela amava os dois, claro, todos em Ur amavam, mas não queria ser órfã por eles. Por isso se juntou a guarda real assim que completara dezoito anos, se o sei pai correria risco de vida, correria também, e o defenderia se possível.

Nada disso, porém, tirava a mãe da cabeça. Achava que depois de que crescesse esqueceria a ideia, não podia estar mais enganada. A ideia não podia estar mais forte.

Sofia conseguira escapar da visão do pai na saída de casa e passara direto para o mercado de Ur. Sabia que uns minutos sem a sua presença não mudariam a vida do rei de Mura. Andava nervosa, desconfiada, insegura. Não sabia se era isso mesmo que queria, mesmo sem confirmação nenhuma que funcionaria. Passava olhando para os cantos e procurando a tenda que sabia que estaria ali em algum lugar.

- A criança procura ele? – uma pequena senhora estava parada em sua frente lhe encarando.

- Ele... o mago? Ele está aqui mesmo? – Sofia estava nervosa e falava sussurrando.

A senhora riu.

- Ele não é nenhum mago, minha criança, mas se é isso que você quer... – a senhora apontou para um local vazio atrás dela e lá estava a tenda que Sofia procurava. Quando fora agradecer, a senhora tinha sumido. Só lhe restava seguir em frente agora.

A cabana não era tão pequena quanto parecia do lado de fora. Sofia entrou, apreensiva, somente para encontrar um local do tamanho de um salão, como se efeito de uma vil magia de bruxos.

O local estava fazia e tudo que era falado trazia um eco horrível. Sofia andava e observava as paredes – que pareciam firmes demais para uma cabana – decoradas com pinturas de pessoas excepcionais, como o nome acima dos retratos dizia. Sofia reconheceu o casal real num retrato alegre, num jardim, cheios de vida. Richard segurando sua espada, posando como o jovem guerreiro que uma vez fora. Helena sentava no seu trono decorado ao lado, tinha um rosto tranquilizante que parecia se preocupar com quem fosse que estivesse olhando. Ao lado, o Rei Edgar e a Rainha Giulia, de Mura, num retrato sombrio e um pouco intimidador. Pelo que Sofia sabia, o rei Edgar não era nenhuma peça fácil de se lidar, e a pintura retratara exatamente o que suas ideias diziam. Era um rosto frio, cansado e intimidador. Giulia, sua mulher, tinha um olhar morto que indicava sua total falta de interesse em ser retratada.

O Veleiro Negro - As Crônicas de Ur IIOnde histórias criam vida. Descubra agora