O ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO / LITERÁRIO
Outro artifício que está sendo bastante utilizado nas escolas de escrita, especialmente no exterior e pelos autores mais novos, não só pela influência do cinema em suas vidas, como também pela possibilidade de uma adaptação para a tela grande, é o roteiro cinematográfico como base para literatura.
Como o cinema, na maioria das vezes trabalha histórias simples, uma vez mais estamos falando de uma ferramenta bastante cronológica, sem a necessidade para memórias e outras coisas que mudem o tempo da ação (embora já existam exceções), de qualquer modo, o padrão do roteiro de cinema é o seguinte:
A estrutura é dividida basicamente em três partes: começo, onde é apresentado e desenvolvido o tema da história, normalmente divido em três sequências de cenas; o meio, que começa após o primeiro turning point (ponto onde a história dá uma reviravolta – semelhante ao chamado à aventura na Jornada do Herói), e segue por cinco sequências; e o final, que acontece quando se dá o segundo turning point, ou reviravolta, na história, e também é composto por duas sequências de cena, normalmente uma sendo o clímax da história (uma vez mais semelhante à Jornada do Herói).
Mesmo no cinema, contudo, já começaram a aparecer, mesmo entre os filmes de ação, historias que trabalham a estrutura de modo a chamar a atenção do público desde o início. Dois exemplos disso podem ser visto no primeiro filme do Homem de Ferro, em que antes de mostrar quem realmente é Tony Stark, eles mostram uma sequência de ação que chama a atenção do espectador, depois mostrando o cotidiano do protagonista; e no sucesso de bilheteria nacional Tropa de Elite, em que a história começa na metade, no meio de uma sequência de ação, depois voltando para contar o histórico de cada um dos protagonistas.
Assim, temos que considerar que, assim como a literatura está sendo influenciada por outras mídias, como o cinema, ela também o está influenciando, mostrando assim a importância da estruturação na criação de uma história.
Antes de vermos elementos mais avançados da estruturação, temos de definir em que pessoa que iremos narrar a história. Isso, pois a primeira, a terceira, ou a segunda (como eu gosto de chamar quando o narrador é um dos personagens principais, mas não o protagonista, como no caso das histórias de Sherlock Holmes, que são contadas por seu amigo o Dr. Watson) definirá definitivamente que artifícios de estruturação que podemos usar.
A PRIMEIRA PESSOA é quando a própria protagonista conta sua história como personagem-narrador. Este tipo de narração permite ao autor penetrar e desvendar com maior riqueza o mundo psicológico do personagem.
Um aspecto importante na narração em primeira pessoa é que nem tudo o que é afirmado pelo narrador precisa corresponder à verdade. Como ele participa dos acontecimentos no momento em que os mesmos acontecem e sem ser 'onisciente', tem uma visão particular, individual e, portanto, parcial dos mesmos. A principal características desse foco narrativo, inclusive, é a visão subjetiva que o narrador tem dos fatos: ele narra apenas o que vê, observa e sente, ou seja, os fatos passam pelo filtro de suas emoções , de sua percepção, de seus preconceitos.
O que eu chamo de SEGUNDA PESSOA, é quando um personagem que não o protagonista conta a história. Ele tem as mesmas características da narração em Primeira Pessoa, embora partilhe algumas da narração em Terceira. Isso, pois, além de poder manter a visão mais subjetiva, normalmente por ser um estilo em que a história normalmente é contada após a mesma acontecer, o autor pode tomar a liberdade de fazer colocações a respeito da história que os personagens não tinham quando a mesma estava acontecendo.
Nas narrações em TERCEIRA PESSOA, o narrador 'onisciente' está fora dos acontecimentos podendo, como alguém que está fora de uma crise, percebê-la completamente, pairando como que acima de tudo e de todos na história.
Deste modo, ele consegue saber de tudo, do passado e do futuro, das emoções e dos pensamentos de todos os personagens, sabendo inclusive qual será a repercussão de seus atos no futuro.
Por que isso é importante? – Você pode questionar. E a resposta é, pois diversas técnicas de estruturação precisam de mais de um Ponto de Vista, o que não acontece em narrativas de primeira pessoa.
Vamos a esta ferramenta!
CLIFFHANGER
Cliffhanger, ou "à beira do abismo", é uma ferramenta literária muito comum, tanto na estruturação de livros como na dos roteiros de ficção. Ele se caracteriza pela apresentação de um ponto de tensão na história, como uma situação limite, um dilema, confronto ou revelação surpreendente, de modo a prender a atenção do leitor ou da audiência, fazendo-os querer ler ou retornar ao filme ou série, de modo a testemunhar a conclusão dos acontecimentos apresentados previamente. Normalmente quando isso acontece nas series em finais de temporada, em que episódios duplos em que a primeira parte apresenta o início de uma situação de tensão, terminando com a famosa frase "to be continued," instigando a curiosidade da audiência para o que acontecerá na temporada seguinte.
Na literatura esse artifício pode e normalmente é utilizado como quebra de capítulo, deixando sempre o leitor com vontade de continuar a leitura para saber o que acontecerá a seguir.
A ideia por trás deste artifício é criar suspense. No caso da literatura, deixando o leitor ansioso a respeito da solução da aparente tensão que tomou conta da história. Tal ferramenta foi baseada no que a psicologia chama de 'efeito Zeigarnik' que diz que as pessoas se recordam mais de tarefas incompletas ou interrompidas do que de tarefas completadas.
Para você ver como este é um conceito antigo, ele foi a base de construção de, por exemplo, o As Mil e uma Noites (escrito no século IX). Na história, para quem não conhece, Sherazade é condenada a morte seu marido, o rei, e para evitar seu derradeiro destino, conta histórias sempre as terminando com um cliffhanger, de modo que ele, curioso para conhecer o restante da história, tem sempre que adiar sua execução para o dia seguinte.
Até onde eu sei, não existem nomes oficiais para as modalidades do cliffhanger, mesmo assim eu nomeei algumas, que apresentarei a seguir, de acordo com suas características gerais. São elas:
'JOGO DE XADREZ': Também conhecido como 'Ação e Reação' e bastante usado nas tramas maniqueístas, aqui o autor alterna capítulos em que conta o ponto de vista do(s) mocinho(s) com o ponto de vista do(s) vilão(ões), trabalhando não só os pontos de tensão da narrativa, como também mostrando como 'um lado' age, ou reage, de acordo com os acontecimentos ou ações do 'outro lado' (como num jogo de xadrez, daí o nome). Com isso o leitor está sempre curioso para continuar a leitura e saber o que acontecerá a seguir.
Perceba que este tipo de estrutura, por mostrar mais de um ponto de vista, impossibilita que a narrativa seja feita em primeira pessoa e dificulta muito a narrativa de segunda pessoa.
'VAMOS NOS DIVIDIR': A ideia aqui, semelhante na anterior é, para mais de um protagonista, dividir a ação, ou os protagonistas, em diversas frentes, criando suspense ao parar a narrativa de um grupo num ponto de tensão, deixando assim o leitor aflito para saber o que acontecerá com esses protagonistas.
Note que, uma vez mais, este tipo de estrutura, por ter mais de um ponto de vista, usa a narrativa em terceira pessoa.
'DIVERSOS PERSONAGENS': Muito utilizada em tramas não maniqueístas, como por exemplo o Guerra dos Tronos, neste tipo de modalidade se dividem os pontos de vista dos diversos protagonistas, independente do lado em que estão na historia, mostrando suas ações e reações ante as ações dos demais personagens.
Novamente o excesso de pontos de vista leva o autor a usar o narrador onisciente (3a pessoa) ao invés dos demais com este tipo de ferramenta literária.
'AÇÃO VERSUS MEMÓRIAS': Com essa ferramenta, que possibilita a narrativa em primeira pessoa, o escritor mescla sequencias de ação com memórias explicativas do personagem. Aqui, contudo, se deve tomar cuidado, para que o excesso de explicações e memórias muito longas após cenas de tensão não terminem por cansar ou tirar a paciência do leitor.
'PASSADO VERSUS PRESENTE': Semelhante a anterior, embora mais utilizada em narrativas de terceira pessoa, e mais simples, pois tende a mesclar ação com ação, aqui a ideia é variar a narrativa atual da história, com narrativas mostrando o que aconteceu para que àquela situação acontecesse, ou para que o(s) personagem(ns) terminasse(m) fazendo parte dela.
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