Terminado o desenvolvimento da estrutura da história, chegou a hora de trabalharmos nela. Chegou a hora de desenvolvermos as cenas. A primeira coisa a se falar é da Narração (não narrativa) versus Desenvolvimento de Cena.
Por que narração e não narrativa? Você pode perguntar, ou ainda qual a diferença?
A diferença é que narrativa é a forma pela qual o texto se apresenta. Assim temos a narrativa em primeira ou terceira pessoa, ou a narrativa em prosa ou em poesia.
A narração, por sua vez, é uma apresentação mais simples, quase jornalística, e que, portanto, não cria uma ligação emocional com o leitor. serve para fatos ou sequências menos importantes, como uma viagem ou um tempo em que nada de importante para a história tenha acontecido.
Já o desenvolvimento de cena é exatamente o contrario. Aqui a ideia é, através da exposição de um acontecimento, de uma crise, do uso de diálogos, se mostre o mais possível dos personagens, de suas ações e da repercussão das mesmas na história.
É possível começar uma obra com uma narração ao invés do desenvolvimento de uma cena? Você pode perguntar.
Sim! A questão é que, tendo em vista que a ideia da escrita profissional é chamar a atenção do leitor assim que possível, começar uma história com a apresentação de algo não importante é exatamente o contrario do que se busca. Assim, o que se deve fazer é começar sempre com uma CENA, e é isso que aprenderemos aqui:
ELEMENTOS PARA CRIAÇÃO DE CENA
Uma das bases de criação de toda cena é o PDO: Ponto de Observação da cena. Ele é o FOCO da cena, mostrando o que será mais determinante na mesma. Basicamente existe o Ponto de Observação Físico e o PDO Emocional e ambos podem e devem ser trabalhados no desenvolvimento de cenas complexas. O Físico é sempre externo ao personagem, enquanto o Emocional é interno ao mesmo.
A importância dos dois se dá, pois a diferença entre o ponto de observação físico para emocional mostra a relação do personagem com o que está acontecendo na cena. Cenas físicas distantes normalmente tem um foco mais em acontecimentos passados ou localização, enquanto as próximas têm como objetivo mostrar ao leitor acontecimentos ou ações importantes. O ponto de vista emocional, no entanto, pode desviar a atenção da cena para o que está acontecendo internamente com o personagem.
Estudo de Caso: Diferença nos PDOs Físico e Emocional
Um bom exemplo de PDOs pode ser visto no filme Surpresas do Coração (French Kiss). Na história a protagonista vai para França em busca do noivo, que se apaixonou por outra mulher. Em Paris, ela é ajudada por um francês por quem, apesar de ainda buscar o amor do noivo, termina se apaixonando. Como o foco interno da personagem (a recuperação do relacionamento) está longe do local onde ela se encontra (a cidade de Paris), sempre que a câmera mostra a Torre Eiffel (símbolo da cidade), a visão da personagem está voltada para o lado oposto, de modo que ela nunca consegue ver a torre. Isso só acontece quando, ao sair da cidade de trem ela, havendo focado suas ideias e determinado seu objetivo, finalmente consegue vê-la.
Como a cena é um elemento complexo (a mais a frente veremos os elementos da cena), quando ela passa de um PDO para outro, seja ele físico, emocional, ou ambos, dizemos que o que está acontecendo é uma Transição.
A ideia da Transição, aqui só física, pode ser tanto iniciar a cena 'aberta' mostrando uma localização geográfica, daí seguindo para a ação (no caso da Transição de um PDO Físico Distante para um Próximo), ou exatamente o inverso, da ação para uma cena 'aberta' (Transição de um PDO Físico Próximo para um Distante).
Perceba que no primeiro caso, a ideia por trás da cena é mostrar ao leitor onde a cena está acontecendo, 'fechando' então para a ação. Já no segundo, na maioria das vezes a ideia é mostrar a ação e depois sua consequência. Ou ainda adicionar algum elemento novo que dará continuidade a ação.
Do mesmo modo podemos ter uma Transição no elemento Emocional da cena. No caso o personagem poderia estar pensando em outra coisa (emocionalmente distante) e o início da ação propriamente dita, ou alguma outra coisa, chamar sua atenção para cena. Ou acontecer o inverso, da cena ou sequência de ação fazer o personagem lembrar-se de algo e seu pensamento 'voar' para outro lugar ou data. Apesar de eu já haver colocado que o personagem emocionalmente distante poder demonstrar a falta de importância de dada sequência de ação, a Transição de PDOs Emocionais são comumente utilizados para explicar os personagens, contando partes de suas histórias, deixando-os mais profundos. O elemento de estruturação 'AÇÃO VERSUS MEMÓRIAS' trabalha exatamente este tipo de Transição de PDO Emocional.
Uma observação: Aqui, assim como em todo este livro, compreenda que a palavra 'ação' não necessariamente determina um acontecimento físico ou violento. Qualquer acontecimento na história, seja ele físico, mental ou emocional, que termine por desencadear a mudança no status quo e leve a continuação da história pode ser considerado uma 'ação'.
Outro elemento base do desenvolvimento de cena é o PDV: Ponto de Vista, de algum dos personagens que dela participa. Este elemento é importante porque, apesar de a primeira vista não parecer, a mudança de Ponto De Vista numa mesma cena pode deixa-la confusa para o leitor.
Quando falamos de PDV em relação ao estilo da narrativa, quando a história é narrada em primeira pessoa o PDV é sempre o do protagonista/narrador. No caso de histórias contadas no que eu chamei de segunda pessoa (quando o narrador é um dos protagonistas, mas não o principal) novamente o PDV é o do personagem/narrador. Finalmente, em histórias em que a narração é feita em terceira pessoa, o PDV do personagem cuja cena é o foco, normalmente é o protagonista, embora isso possa mudar quando em histórias que usem ferramentas de estruturação como o 'JOGO DE XADREZ', podendo mudar para o antagonista ou outro personagem importante. Finalmente, em histórias de foco não maniqueísta, como por exemplo na série Guerra dos Tronos, cuja trama é apresentada através dos olhos dos diversos personagens, temos para cada capítulo um PDV diferente. De qualquer modo, será sempre de algum personagem importante para a história.
CRIAÇÃO DE UMA CENA COMPLEXA:
Toda cena deve ter 6 elementos em sua criação. São eles o OBJETIVO da cena (porque você quer mostrar aquele acontecimento ao leitor), uma CRISE ou CONFLITO (algo que chame a atenção do leitor), e uma CONCLUSÃO, que pode ser positiva ou negativa (normalmente não, pois a cena que acaba bem não deixa o leitor curioso).
Ela por sua vez levará a uma SEQUENCIA ou CONSEQUENCIA (na literatura, como na física, deve prevalecer a terceira lei de Newton "Para toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade", ou seja, a ação fará com que o(s) personagem(ns) tenham uma REFLEXÃO, normalmente emotiva (para que haja conexão entre o leitor e os acontecimentos).
Isso o(s) levará a uma série de opções e com isso a um DILEMA de escolher o que fazer a seguir, e à DECISÃO, que dará continuidade à história, nos levando a outra cena. Isso sem contar que toda essa ação e decisão também gerará repercussões junto aos demais personagens da história.
Tecnicamente falando toda grande cena, por ser um elemento gerador de emoção/tensão, leva a um momento de tensão, um Cliffhanger o qual normalmente acontece na segunda metade da cena ou após a mesma (no caso dela gerar mudanças que façam com que os demais personagens ou partes da trama tenham de modificar seus cursos de ação).
Evidente que, como acontece na língua portuguesa, em que temos elementos ocultos na frase, apesar de todos os seis elementos acima apresentados precisarem existir durante a formulação da cena, os mais evidentes poderão, e às vezes deverão, se manter ocultos na mesma caso sejam evidentes ou desnecessários, sendo apresentados somente se sua omissão dificultar a compreensão da mesma. Do mesmo modo nem todos os elementos devem aparecer estruturadas da maneira apresentada acima .
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