NOVE

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Uma das coisas que mais admiro em Madre é a sua forma de se empolgar rapidamente com aquilo que precisa ser feito. Em outras palavras, ela é a personificação exata da expressão é preciso arregaçar as mangas. Quanto à mim, eu sou um caso perdido que deixa a procrastinação me vencer a cada dia que se arrasta.

Estou me distraindo com a textura das almofadas coloridas num módulo de dormitório infantil. Uma delas é toda trabalhada em lantejoulas furta-cor. Enquanto a que está em meu colo é feita de um feltro que imita a pele de um urso polar. Divirto-me quando descubro que há nela um par de olhos e orelhas e um nariz, também de urso. Madre está do outro lado da loja de decoração resolvendo os detalhes da entrega do novo sofá.

Levo as duas almofadas que gostei daquele quarto de criança. Principalmente a que tem olhos e orelhas de urso.

Madre não me deixa ver o valor de nada que está sendo comprado. Ela segue a lista que Bella enviou por e-mail junto com o projeto que elaborou.

Há uma mulher acompanhada dos filhos, um deles a bordo de um carrinho de bebê, logo a nossa frente na fila do caixa. A criança mais velha é uma menina de pouco mais de 3 anos. Ela se diverte com a almofada de urso que está na minha cesta, brincando com as orelhas felpudas.

– Quer saber de um segredo?

Sussurro para a garota que recua de imediato. Ela me olha acanhada e confere a reação da mãe, como se esperasse ser repreendida. Sem correspondência, ela volta a me olhar e sorri.

– Ele é um urso especial. Ele gosta de abraços.

Ela o abraça instantaneamente. O rostinho da menina se derrete. Uma parte de mim também.

– Georgia, isso não é seu. – A mãe reivindica a mão da garota assim que a vê com a almofada nos braços. Ela não percebe que eu tento tranquiliza-la.

Meu protesto para que a menina continue brincando é em vão.

– Mas ele é um urso especial, mamãe.

– Ok, filha. Quando voltarmos a gente o leva pra casa.

Ela segura a filha no colo e assisto a pequena repousar o rosto nos ombros da mãe.

"Você sabe do que eu tenho medo que aconteça?"

Trato de bloquear rapidamente a lembrança do discurso humilhante que Lincoln me fez ouvir durante uma de nossas últimas brigas.

Quero me controlar. Estou sentada no banco do carona e não consigo parar de chorar. Minhas mãos não largam a almofada de urso que ainda está em meu colo. Sinto a velha tempestade se aproximando, me tirando toda a força que me impede de desabar. E eu não tive tempo suficiente pra pensar no nome que escolheria. Nem pra decidir as cores que usaria pra decorar seu quarto. Sinto-me sufocada pela onda de tristeza que acompanha aquelas memórias. Meu corpo soluça por conta própria, buscando o fôlego que o desespero tirou.

– Lily.

Madre está virada pra mim, atônita.

– É só uma onda de paranoia. – Explico.

– Querida... Eu não sei o que fazer com você nessa situação.

– Não se preocupe. – Soluço. – Não há o que ser feito.

– Você tem tomado seus remédios?

– Eu parei. – Tampo os olhos, impedindo que mais lágrimas caiam. – Eles me deixavam com muito sono. Ficava ainda mais improdutiva do que de costume.

DIANTE DOS SEUS OLHOSOnde histórias criam vida. Descubra agora