FÉ NO OUTRO!

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Desde o primeiro dia de funcionamento do bar, ele nunca faltou!
Quando o bar abria às seis da manhã ele era o primeiro cliente. Era a primeira cachaça do dia no meu bar. Meia idade! Sozinho! Ajudante dos peixeiros, uma espécie de faz tudo, às três da manhã ele já estava por lá ajudando no descarregamento dos pescados e ali já começava a beber sua cachaça.
O cigarro era outro companheiro inseparável.
Ele ia ao bar a cada meia hora e tomava o seu gole.
O engraçado é que Marcão não ficava alterado, segundo alguns a cachaça já estava entranhada em seu corpo.
Marcão já esteve preso, não sei o motivo. Pagou pelo crime que cometeu e no final é só isso que importa.
Sempre gentil e educado. Sempre fui a "dona" Crisólia para ele.
Um dia Adelino veio falar comigo e mandou-me separar os copos de Marcão. Tuberculose!
Outro dia e outra pessoa veio, só que esta me ordenou que parasse de atendê-lo. Nem sei o que respondi, uma vez que, quando estou mordida de raiva perco as estribeiras e falo sem pensar. Este nunca mais voltou.
Marcão a cada dia mais cabisbaixo e amuado. Deixei-o a vontade, ele teria que vir falar, jamais perguntaria.
Ele enfim desabafou. Realmente tuberculose. Conversei com ele, tentei animá-lo, encorajá-lo. Tuberculose quando descoberta a tempo e tratada, é curável. Ele se animou um pouco com minhas palavras. Ofereci ajuda.
Meu marido foi até a casa dele. Foi quando descobrimos que ele morava em uma casa sem luz, sem portas, dormia no chão e mal se alimentava. Arranjamos um colchão, ele prometeu que iria arrumar a porta e assim começou seu tratamento. Ele me trouxe o dia no qual iria fazer os exames, eu anotei para poder lembrá-lo. Parou de beber, parou de fumar e começou a se alimentar diariamente conosco no bar.
E muitos vieram me dizer que eu estava perdendo meu tempo, que ele não prestava, que ia voltar a beber e fumar, que ia morrer. Ouvi todos os absurdos possíveis, recuso-me a elencar aqui os piores, mas nunca desisti, nunca deixei de acreditar que Marcão se recuperasse, não apenas da tuberculose, mas também da sobrevida que levava.
Seis meses de tratamento e a cada novo resultado de exame ele aparecia melhor, mais disposto e mais encorpado. Seu irmão faleceu em consequência da bebedeira e isso o fez ver que não queria o mesmo destino.
Em janeiro o último exame. Marcão teve alta. A tuberculose era agora parte do passado. Assim como a bebida e o cigarro.
A casa de Marcão hoje tem luz, fogão, geladeira, porta e o mais importante, dignidade.
Marcão segue firme. Escrevo um ano depois de sua alta e ele a cada dia mais e mais me dá motivos para acreditar que ainda tem jeito, basta querer.

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Tudo Aconteceu no Bar! Crônicas CariocasOnde histórias criam vida. Descubra agora