Ela...
Deixar Arthur partir foi a pior coisa que já fiz em toda minha vida. De repente eu era uma garotinha de sete anos novamente que chorava sem parar no colo de sua irmã de alma a perda de seu melhor amigo e único amor.
Isobel e minha mãe tentaram ajudar, elas tentaram se aproximar mas eu não permiti, eu não podia suportar a ideia daquelas duas vampiras me tocando, elas não eram mais as pessoas que eu conhecia e nunca voltariam a ser.
— Pode nos deixar à sós? — perguntou minha mãe à Kalifa após o terceiro dia em que passei trancada naquele quarto sem sair para absolutamente nada. Era dia e a luz do sol banhava todo o quarto, eu estava posicionada estrategicamente onde a luz do sol era mais forte, onde os vampiros não conseguiriam me alcançar e onde eu ainda me sentia humana... Assim que Kalifa saiu ela me olhou nos olhos e disse em um tom doce — Dafne por favor saia daí, deixe-me te ajudar, deixe-me ser a sua mãe...
— Você não é a minha mãe. — interrompi, o que a fez me lançar um olhar surpreso — A minha mãe está morta, você é apenas um monstro que se apoderou do corpo dela! — ela continuou me olhando surpresa até que abriu a boca para me repreender e mais uma vez eu a interrompi dizendo — Se você fosse mesmo a minha mãe não teria deixado aquele monstro me usar da maneira que ele tentou me usar, não deixaria aquele monstro me destruir da maneira que me destruiu!
— Aquele monstro — disse ela — é o seu pai!
— Não, ele não é! O meu pai se chamava Heitor Rolfe! Foi ele quem me ensinou a ser quem sou hoje, que em ensinou a ser boa e gentil, a não querer ser melhor do que ninguém mas sim ser sempre o melhor que eu possa ser. Aquele sim era um homem bom, ao contrário do monstro a quem você chama de marido!
— Ele não é um monstro Dafne, ele se preocupa com você, quer vê-la feliz...
— Se ele se preocupasse com alguém além de si mesmo teria salvado Tristan e meu pai! — falei tentando trazê-la de volta à razão — Ele não se importou de deixar um garotinho de doze anos morrer! E mais uma coisa, ele não salvou Isobel por piedade, ele a salvou porque pensou que ela era eu e quando percebeu o erro que havia cometido já era tarde demais. Não pense que ele é tão bom assim, pois ele não é!
— E mesmo sendo esse monstro ele ainda concordou em deixar o ritual de lado e manter sua amiga viva, ele concordou com o acordo de paz entre as raças e isso apenas para que você não sofresse. — disse ela em um tom manso e por um momento pensei que ela fosse novamente a mãe que eu me lembrava.
— As boas intenções dele não adiantaram de muita coisa, ainda estou sofrendo.
— Mas ao menos não terá que passar pela dor de enterrar Arthur, — disse ela se ajoelhando onde a luz do sol beijava as sombras, aquilo incomodaria qualquer vampiro mas seu olhar estava focado em meus olhos e ela não exibia qualquer emoção a não ser preocupação para comigo — Eu sei o quanto está doendo saber que nunca mais irá revê-lo novamente, mas pense nas coisas boas que virão de seu sacrifício, pense na guerra que foi evitada, pense em quantos casais viverão suas vidas em paz, pense em quantas garotinhas poderão se casar com seus melhores amigos sob a sombra de uma árvore antiga e forte, pense em quantos amores de infância irão nascer e dar frutos e isso tudo só poderá acontecer porque você abriu mão de uma vida ao lado de Arthur... Você os salvou minha filha, você se tornou uma heroína...
— Eu não salvei todas aquelas pessoas, — falei — eu salvei Arthur, todos os outros tiveram sorte.
— Mesmo assim você os salvou, e isso é o que importa.
Passei um longo tempo fitando o rosto pálido de minha mãe, o sol que tocava sua pele parecia não incomodar e ela exibia um sorriso gentil em seus lábios. Engatinhei até ela como quando eu era pequena e coloquei minha cabeça em seu colo, ela começou a acariciar meus longos cabelos dourados e disse:
— Todos têm uma salvação Dafne, e você é a salvação de seu pai, dê uma chance à ele, tente fazê-lo uma pessoa melhor...Ele...
Acordei sentindo minha cabeça latejar. Eu estava em meu quarto no grandioso Casarão dos Lobos mas algo parecia diferente, eu me sentia diferente...
Me levantei da cama e caminhei até o espelho, minha pele parecia um pouco mais pálida, meus dentes mais brancos e meus olhos, que antes eram dourados como ouro, agora eram verdes, mas não era aquele verde vibrante e alegre de antes... não, aquele verde era gélido, frio, e ao mesmo tempo ardia como se fosse pegar fogo a qualquer momento...
Aos poucos minhas lembranças foram retornando, eu havia estado na fortaleza dos vampiros, estava lutando para ter alguém de volta mas... quem? Quem eu queria tão desesperadamente libertar? Quem era tão importante à ponto de me fazer arriscar desencadear uma guerra de forma tão estúpida assim?
— Como se sente? — me virei num sobressalto e encontrei meu pai e meu irmão me fitando com olhares preocupados.
— Me sinto... — eu não sabia como me sentia, eu estava bem? Estava mal? Estava à beira da morte e delirando? Eu literalmente não sabia de mais nada... — O que aconteceu?
— Nós fomos até a fortaleza dos vampiros, — disse meu pai como se estivesse escolhendo cautelosamente cada palavra — nós tentamos estabelecer um tratado de paz mas as coisas saíram um pouco do controle e... bem... o que realmente importa é que nós conseguimos, o acordo foi selado e agora ambas as raças podem viver em paz, cada um em seu território.
— Como? — perguntei, meu pai me lançou um olhar confuso e eu prossegui — Como conseguimos o acordo de paz?
Aquela pergunta pareceu pegá-los de surpresa, meu pai e meu irmão trocaram olhares nervosos e tentaram responder várias vezes mas nunca disseram mais do que duas palavras, parecia até que não queriam me dizer algo...
— Foi a princesa dos vampiros, — disse meu irmão finalmente — ela já estava cansada de toda a guerra e intercedeu à nosso favor perante seu pai.
— E por quê eu não me lembro de nada? — questionei.
— Você levou uma pancada forte na cabeça, — respondeu meu pai — está confuso, mas tenho certeza de que logo se lembrará de tudo.
Ambos forçaram um sorriso reconfortante que mais parecia uma careta e me avaliaram por mais algum tempo como se esperassem que algo sobrenatural acontecesse comigo, mas nada aconteceu. Eles mormuraram um até logo e se viraram para sair do quarto, no exato instante em que meu pai e meu irmão me deram as costas senti como se uma onda tivesse me atingido, o ar se encheu com o cheiro de flores silvestres e o riso de uma menininha preencheu meus ouvidos, uma vertigem tomou conta de meu corpo e acabei caindo no chão.
Meu pai veio correndo em minha direção e me ajudou a levantar me avaliando com um olhar preocupado, depois de respirar fundo duas ou três vezes olhei nos olhos de meu pai e perguntei algo que eu sabia que me atormentar ia até que eu finalmente descobrisse a resposta:
— Pai, quem é Dafne?
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A Garota No Bosque
FantasyTive uma infância feliz ao lado da minha família e de meu melhor amigo Arthur, mas um dia Arthur simplesmente sumiu e então nosso reino foi dominados por uma corja de vampiros sanguinários. Meu pai fugiu comigo e com meus irmãos mas anos depois...