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Ela...

Eu era uma criança novamente e corria pelo bosque sem nenhuma preocupação, meus cabelos estavam soltos ao redor de meus ombros e em minha cabeça havia uma coroa feita de chuva de prata, minha flor favorita.
  — Ei Dafne. — ao ouvir a voz de Arthur parei de correr e me voltei para ele — Eu aposto que você não consegue subir nesta árvore!
  — Pois eu aposto que você não consegue subir mais alto do que eu! — repliquei ao caminhar até ele.
  — Está apostado! — Arthur cuspiu na mão e a estendeu para mim, fiz o mesmo e então trocamos um aperto de mão.
  — Você vai perder! — ao dizer isso empurrei Arthur, que caiu no chão, e então comecei a subir na árvore.
  Eu era ágil e subia cada vez mais rápido, meus pés conseguiam apoio nos galhos e minhas mãos me levavam cada vez mais para cima. Quando finalmente atingi o galho mais alto, olhei para baixo e abri um amplo sorriso ao dizer:
  — Eu disse que iria te vencer!

※ ※ ※

  — ACORDEM SUAS VADIAS INÚTEIS! — acordei num salto ao ouvir Tom gritar, a felicidade que sentia a alguns instantes havia sumido por completo, eu estava de volta ao mercado de escravas, de volta ao inferno...
  Pude ouvir os carcereiros acorrentando as outras garotas e ditando as regras: se falar, chibatadas; se tentar fugir, chibatadas; se fizer algo além de ficar parada olhando para o nada, chibatadas!
  Fiquei deitada no chão ouvindo o arrastar das correntes enquanto as garotas eram levadas até o comprador da vez, como sempre eu não iria com elas, não estava à venda...
  Quando vi Tom passar em frente à minha cela, me aproximei das grades e disse:
  — Ei Tom, quem está aí?
  Ele se voltou para mim e me avaliou de cima à baixo, os carcereiros podiam se divertir com qualquer uma das garotas menos comigo, eu era o brinquedinho de outra pessoa e Tom parecia não gostar disso. Após um longo tempo me olhando, ele abriu um sorriso nefasto ao dizer:
  — O príncipe dos lobos.

Ele...

  — Isso é o melhor que vocês têm a me oferecer? — falei olhando para as garotas que queriam me vender.
  — O que há de errado com as garotas, senhor? — perguntou o filho do mercador, aprendiz de trapaceiro é o termo correto... , pensei.
  — Você pode se contentar com pouco, mas eu exijo apenas o melhor! — respondi em tom autoritário — E está mais do que claro que nenhuma delas é o melhor.
  O mercador permaneceu calado e seu filho se encolheu de medo assim como as garotas que estavam lá para serem vendidas, uma delas começou a chorar descontroladamente e um dos carcereiros a arrastou pelos cabelos para fora da sala.
  — Elas são realmente tudo o que têm a oferecer? — perguntou meu irmão em um tom calmo o que não era típico dele.
  — Sim senhor. — respondeu o filho do mercador — Sinto muito, mas essas garotas são tudo o que temos a...
  — Na verdade, — interrompeu-lhe sua mãe — há mais uma. — ela se voltou para um dos carcereiros e disse — Vá buscá-la.
  — Se há mais uma, — disse meu irmão avaliando-a de cima à baixo com certa desconfiança — por que não a trouxe com as outras?
  — Ela é uma garota rebelde. — respondeu o mercador — Está aqui a anos e ainda não aceitou seu destino.
  — E qual destino seria? — perguntei com as sobrancelhas erguidas, destino era a palavra que eu mais odiava, todos evitavam dizê-la em minha presença pois o último que o fez agora estava morto.
  Antes que o homem pudesse me responder o carcereiro retornou acompanhado de uma garota acorrentada com correntes fortes demais para alguém de aparência tão frágil, ela possuía cabelos dourados como ouro e olhos furta cor, sua boca era rosada e levemente carnuda e havia algo em sua expressão que transparecia certo ar de rebeldia. Me aproximei da garota e caminhei ao seu redor medindo-a de cima à baixo, ela ficou tensa quando toquei uma mecha de seu cabelo e quando parei à sua frente ela se manteve olhando para o chão.
  — Olhe para mim. — ordenei, quando seus olhos finalmente encontraram os meus foi como se eu já a conhecesse — Qual é o seu nome?
  — O nome dela é... — a esposa do mercador se apressou em responder e eu a cortei dizendo:
  — Acho que dirigi minha pergunta à garota e não à você! Fique calada e só volte a abrir a boca quando eu me dirigir à sua pessoa! — a mulher se calou e então me voltei para a garota que me avaliava com os olhos curiosos — E então, qual é o seu nome?
  — Gwen... — respondeu ela, o carcereiro apertou seu braço e ela fechou os olhos por causa da dor ao acrescentar — ...senhor.
  Permaneci algum tempo olhando para a garota, ponderando se aquela era uma boa ideia. Quando tomei minha decisão final, me voltei para o mercador e disse:
  — Quanto ela custa?
  — Trinta moedas de prata, senhor. — o filho do mercador me lançou um olhar furioso e então saiu do recinto seguido por sua mãe.
  — Pague o homem, Joshua. — falei para meu irmão e quando me voltei novamente para a garota pude ver uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto.

Ela...

  Tom se aproximou com fortes correntes em mãos e disse:
  — Estenda os braços. — eu só era acorrentada quando o filho do mercador solicitava minha presença em seus aposentos e sempre que isso acontecia eu ficava apavorada.
  Fiz o que ele mandou, estendi minhas mãos e então Tom acorrentou meus pulsos, logo depois ele começou a me guiar pelos corredores imundos, quando começamos a andar por um caminho diferente daquele que levava aos aposentos do filho do mercador, olhei-o confusa e Tom sorriu maliciosamente:
  — Com saudades do rapazinho?
  — Nunca! — respondi olhando em frente.
  Quando chegamos à uma sala bem iluminada, meus olhos doeram por causa da claridade, assim que me acostumei à luz pude ver as garotas todas enfileiradas e pude sentir alguém andando ao meu redor, me medindo de cima à baixo. Foquei meu olhar num ponto qualquer no chão e então ele tocou uma mecha de meu cabelo, fazendo-me ficar tensa, permaneci olhando para o chão quando ele parou à minha frente e disse:
  — Olhe para mim. — reuni toda minha coragem e fiz o que ele mandou, quando nossos olhares se encontraram senti como se a anos conhecesse aquele par de olhos cor de âmbar, como se a minha vida inteira eles tivessem me fitado todos os dias... — Qual é o seu nome?
  A esposa do mercador se apressou em responder e o homem a mandou calar-se alegando que a pergunta havia sido dirigida à mim; há muito tempo ninguém me defendia ou me dirigia a palavra sem me insultar e aquilo me deixou deveras intrigada...
  — E então, — disse ele novamente voltado para mim — qual é o seu nome?
  — Gwen... — respondi, Tom agarrou meu braço e o apertou com força, fechei meus olhos e acrescentei rapidamente querendo que a dor acabasse — ...senhor.
  Ele permaneceu um longo tempo me olhando, provavelmente ponderando se deveria ou não me comprar, fiquei tensa o tempo inteiro até que ele finalmente se voltou para o mercador e disse:
  — Quanto ela custa?
  Depois daquilo não ouvi mais nada, só conseguia pensar no que seria feito de mim a partir daquele momento, lobos eram extremamente fortes e era comum que matassem humanas ao se relacionarem com elas. Eu sempre achava que vivia num inferno mas estava completamente enganada, o inferno começaria a partir de agora...


 

A Garota No BosqueOnde histórias criam vida. Descubra agora