Prólogo

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Eu sempre soube onde nasci. Sempre tive conhecimento desse maldito mundo do crime. Armas, mortes, acordos, bailes, drogas, tudo passando por mim enquanto eu crescia em silêncio, sem poder me misturar com as outras crianças. No começo, foi difícil entender a hierarquia da máfia mas com algumas palmadas, castigos e sermões se torna fácil entender que empregados são a escória e seus filhos, nem chegam a ser considerados pessoas.

Tinha cinco anos quando fui à escola pela primeira vez e antes mesmo de perguntarem meu nome, questionaram a qual classe social eu pertencia. Porém, tinha apenas cinco anos e não sabia a resposta para aquela pergunta. Logo, perguntaram-me qual a profissão de meus pais. Com orgulho, respondi que meu pai também era pai das flores e que minha mãe cuidava das roupas de uma mulher muito importante.

Assim que as palavras saíram de meus lábios, meus pertences foram movidos até o último assento da última fileira da pequena sala de aula, alguns anos depois finalmente entendi que a filha de um jardineiro e uma empregada não merecia sentar perto de crianças importantes. Chorei em silêncio, pois não me era permitido sentir repulsa ou desprezo. Eu não tinha o direito de sentir nada. Apesar disso, não tive uma infância triste. Tive amigos, tive pais amorosos, me formei. Fui feliz.

Fui, do verbo não sou mais.

Passei toda minha adolescência assistindo enquanto garotas eram selecionadas a dedo para que abdicassem de suas vidas sendo fadadas a casamentos falidos e sem amor. E essa era a melhor parte de ser invisível, eu jamais passaria por situações como aquelas.

Ou era o que eu pensava.

Às vezes, acontecem coisas nas nossas vidas que nos fazem repensar se vale mesmo a pena correr atrás de nossos sonhos. Os meus não valeram. Batalhei minha vida inteira para conquistar metade do que as pessoas ao meu redor jogavam fora. E hoje, com muito esforço, me tornei professora de literatura. Apesar de ter terminado de cursar a faculdade apenas há alguns meses, não foi difícil arranjar emprego... longe do meu bairro.

Infelizmente, meus esforços de nada valeram. Descobri ao acaso que as coisas que conquistei foram as mesmas que tiraram toda a minha liberdade. O destino brinca com a vida das pessoas. No meu caso, destroça. Estava vivendo meu melhor momento quando fui jogada em uma correnteza de problemas, acorrentada, destinada a me afogar. E não havia que eu pudesse fazer para impedir.

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