Segredos

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"A maior necessidade deste mundo é de confiança e amor." – GIDE, André.


16, julho de 2016.

Respirei fundo e sentei-me na cama, sentindo todos os meus nervos se agitando. As palavras de Matteo ecoavam em minha cabeça. Ele sentou na poltrona em minha frente e suspirou.

- Tudo bem, por favor, prometa que vai ouvir tudo que eu tenho a dizer? Por mais estranho que pareça.

- Eu prometo. Diga logo!

Ele estava visivelmente nervoso, não parava de as mãos.

- Quando eu tinha 10 anos, chegou um bebê em nossa família. Eu, que só estava acostumado com Pablo torrando minha paciência por todos os lados, conheci uma outra perspectiva de vida. Era uma menina. Não consigo explicar o que aconteceu quando coloquei meus olhos nela. Era como se minha missão de vida fosse protegê-la do mundo, como se fosse parte de mim. Mas ah, droga... - Ele bufou. - Não era um sentimento fraterno e nem paterno, ela era além de qualquer tipo de relação conhecida. Pode parecer idiotice ou algum devaneio, mas eu juro que aconteceu. Ela tinha olhos azuis e cabelos da cor do fogo. Enfim, nos anos seguintes, eu a tratei como se fosse uma joia, ouvi ela falar, vi ela caminhar e a ensinei a ler - Ele respirou fundo antes de continuar. - Então um dia, quando eu tinha acabado de completar 15 anos, meu pai decidiu que eu estava pronto para ser iniciado na Coziella. Geralmente os meninos passam por essa cerimônia aos 18, mas meu pai sempre disse que eu era uma exceção. O futuro Don sempre era uma exceção. E por isso, ele decidiu que eu não deveria passar por uma cerimônia comum, tal como eu, deveria ser especial.

Matteo fechou os olhos por alguns segundos, como se estivesse se esforçando para reviver aqueles momentos. Sua testa estava enrugada, era visível a dor que ele sentia.

- Ele me levou a um dos nossos galpões, três mesas estavam espalhadas pelo cômodo, todas cheias de armas. Também haviam vários de seus sócios e filiados, todos olhando diretamente para mim. Demorei um pouco até ver a pessoa que estava amarrada uma cadeira bem no meio do lugar. Mesmo estando com o rosto coberto, a reconheci por seus cabelos e pelo par de tênis rosa que ela sempre usava. Minhas pernas vacilaram quando entendi o que devia fazer. Meu pai me alcançou uma pistola e apontou para a menina. Eu gritei "não!" inúmeras vezes, em choque. Lembro de ter saído de lá sem voz. Vendo que eu não cederia, meu pai esticou o braço, pegou a arma de minhas mãos e atirou na cabeça dela. Bem no meio. Na frente de todos. Sem hesitar. Enquanto meu mundo caía, eu permaneci de pé, em transe e sem conseguir desviar o olhar do corpo e de todo aquele sangue, ele segurou em meus ombros, olhou no fundo dos meus olhos e disse "na vida ou você mata ou você morre, e se escolher não matar, pode ter certeza que alguém o fara por você". Depois daquele dia, ele me levou para um internato na Itália e só voltei a ver minha família ou a visitar o Brasil em datas comemorativas. Mas eu nunca mais esqueci os olhos daquela menina, não passava um dia sem que eu pensasse nela e naquela noite - Matteo secou uma lágrima com o indicador, o que me fez perceber que estava chorando também.

- Eu... - Engoli em seco. - Eu sinto muito, Matteo. Não imagino como deve ter sido horrível para você... Todos esses anos...

- Sabe o que é mais engraçado? - Ele perguntou. Neguei com a cabeça. - Eu a reencontrei, no exato dia em que aquela noite completava 18 anos.

- O quê? - Perguntei, confusa.

- A encontrei no altar.

Senti meu sangue congelar naquele momento.

- Eu já deveria ter imaginado que algo estava errado quando meu pai apareceu com esse assunto de casamento. Ele disse que eu estava ficando velho e precisava tomar um rumo, então, para me motivar ele me daria um presente de casamento. O presente era a noiva, e a noiva era você.

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