Dívida

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"Não fazemos aquilo que queremos e, no entanto, somos responsáveis por aquilo que somos." - SARTRE, Jean-Paul

18, abril de 2016.

- Oi, minha... - Isso foi tudo que mamãe conseguiu responder ao atender o telefone. Em seguida seu nome foi chamado e a ligação caiu.

Pensei bem antes de decidir o que fazer. Voltar para o apartamento e colocar as poucas coisas que eu tinha de volta nas caixas ou visitar meus pais e chorar todas as lágrimas que ainda existiam em mim?

Durante os trinta minutos que o ônibus levou para chegar até o condomínio onde eles trabalhavam, me permiti pensar sobre tudo que estava acontecendo. A ficha ainda não tinha caído. Eu não tinha casa e não tinha emprego. Nossa! Eu não tinha mais a vida que eu tinha na noite anterior. Como isso era possível?

O que eu deveria fazer? Cogitei contratar um advogado, mas com que dinheiro? Minha conta tinha, mais ou menos, duzentos reais que estavam destinados para o mercado. Eu não tinha condições de alugar outro apartamento. E meu emprego... Seis meses esperando uma vaga naquela escola particular e agora tudo havia evaporado.

Eu odiava chorar, mas naquela hora parecia inevitável.

O ônibus parou há três quadras de onde eu precisava ir. Naquela parte da cidade nenhum veículo trafegava sem autorização. Pádua era uma das zonas em que Rios Verdes era dividida.

Rios Verdes era um município de São Paulo, quase tão grande quanto a própria capital. Era dividido em quatro zonas e em especial, Pádua. Onde nasci e cresci. A diferença entre Pádua e as demais divisas era que lá, as leis convencionais não se aplicavam. O local era completamente dominado pela máfia italiana e era praticamente uma cidade dentro de outra. Pádua possuía quatro condomínios, restaurantes, bares, duas escolas, salões de festas e algumas lojas.

É confuso pensar que a máfia italiana, conhecida entre seus integrantes por Coziella, estava abrigada no Brasil. Mas era isso mesmo. Há alguns anos, a sede da família era na cidade de Pádua, nome que originou a zona, mas devido a problemas, eu nunca soube quais eram, precisaram imigrar para o Brasil. Todos os membros e associados precisaram vir, querendo ou não, depois seus respectivos empregados e então os soldados.

Meus ancestrais trabalharam para essas pessoas por várias gerações. E se não fosse pelo chefe, que decidiu abolir essa lei antes que eu nascesse, nesse momento eu estaria esfregando o chão de alguma mansão.

Cheguei nos portões brancos enormes que separavam Pádua da civilização. Logo que coloquei os pés na calçada, fui barrada por dois soldados engravatados.

- Identificação? - O loiro me perguntou.

- Antonietta Campobello.

O moreno se distanciou e digitou algo no celular. A tristeza que eu sentia começava a ser substituída pela raiva. Quatro anos sem pisar naquele lugar e agora eu já não podia nem visitar meus pais.

- Desculpe, não encontramos registros. – Ele disse, dando-me as costas.

Cocei a garganta bruscamente e respirei fundo.

- Sou filha dos empregados da casa Agnelli. Por favor, eu só quero ver minha mãe. - Implorei, esgotada.

Os dois se entreolharam e sorriram. De uma forma que me deixou arrepiada e me faz dar um passo para trás.

- Abra os braços e distancie as pernas. Precisamos revistá-la.

Meu coração acelerou de forma absurda. Eu sabia que aquilo era um procedimento de segurança, mas era visível que eles não viam a situação da mesma forma.

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