Após uma semana na incubadora, o médico liberou a criança ser levada para casa. Ela necessitaria de alguns cuidados diferenciais básicos, como a intensiva higienização da cabeça-parasita a fim de evitar infecções, mas de resto poderia ser tratada como um recém-nascido comum. Ou pelo menos algo próximo disso.
Depois de muito pensar, Luís decidiu que não havia nome melhor para a criança do que o dele próprio. Afinal, ambos eram igualmente mal-afortunados e anatomicamente esquisitos.
No primeiro dia na presença de Luís Júnior, pouca coisa incomodou o pai além da aparência da cabeça-parasita. Luís sentia calafrios ao olhar para aquela massa disforme, inchada e roxa, com olhos esbugalhados que nunca se fechavam e com lábios colados que nunca se abriam. E pior ainda era higienizá-la. Um fluído verde esbranquiçado fluía por todos os orifícios e Luís se via obrigado a secar e limpar tudo aquilo com gazes e algodão.
Felizmente, a outra a cabeça, a que ainda estava em boas condições de funcionamento, era idêntica a de um recém-nascido como qualquer outro. Seria exagero dizer que possuía um rosto bonito, mas seria desonestidade negar que superava as expectativas estéticas dos descendentes de Luís.
Assim sendo, pai e filho passaram o primeiro dia juntos com relativa tranquilidade e às nove horas da noite já estavam prontos para a primeira noite de sono. Júnior já dormia serenamente em seu berço quando Luís deitou-se na cama ao lado e fez suas orações noturnas. Cogitou dar um beijo de boa-noite no filho, mas descartou a ideia após lembrar-se de que teria que se aproximar demais da cabeça disforme.
- Só preciso aguentar isso por mais cinco anos. Só mais cinco aninhos... - disse ele antes de pegar no sono sem perceber que falava em voz alta.
No meio da noite, Júnior acordou Luís e provavelmente toda a vizinhança com o seu choro. O pai levantou ás pressas, atordoado pelo sono e pelo ensurdecedor som de sirene que parecia capaz de fazer cair o teto sobre suas cabeças. Todavia, o choro se interrompeu no exato momento em que Luís apertou o interruptor e acendeu as luzes. No berço, Júnior dormia como um cadáver e não aparentava ter acordado recentemente. Antes de apagar as luzes e voltar para os seus sonhos de grande empresário, Luís notou que a secreção verde vazava da boca da cabeça-parasita em um ritmo que ele ainda não tinha visto. A cabeça parecia gorfar. Sem dar muita importância, Luís secou o líquido com uma manta seca e desabou na cama, tentando retornar aos sonhos de antes.
Ao invés disso, sonhou que Cérberus, o grande cão de várias cabeças da mitologia grega, lhe devorava vivo.
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O Duas-Cabeças
HorrorO filho de Luís nasce com uma rara deformidade e tudo o que parecia estranho torna-se ainda pior quando a criança completa o seu primeiro ano de idade.