Parte 5

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Luís acordou num sobressalto. Ao redor, tudo se esvaía em fumaça. Fumaça para todo lado.

- Incêndio... - sussurrou Luís.

Como se aquelas palavras despertassem em sua mente o senso de perigo, ele gritou:

- Incêndio! - e saiu correndo pela casa após se levantar num pulo, sem parar de gritar - Incêndio! Incêndio! Incêndio!

Até que uma risada cavernosa pôs fim ao ataque histérico. Luís paralisou-se de imediato, com lembranças nada agradáveis vindo á tona. Rodou lentamente o corpo em direção à risada e se segurou para não cair duro de novo. Na fumaça que se dispersava, Luís distinguia aquela visão infernal sentada em sua poltrona de couro. Seu filho, Luís Júnior, e sua segunda cabeça maldita, que fumava um dos charutos cubanos do pai como se fosse um velho barão dotado de grande experiência em fumar charutos cubanos. Barão do inferno, só se for. De qualquer forma, aquilo Luís Pai não poderia aturar. Seu filho, já muito debilitado por sua condição de nascença, não poderia, de forma nenhuma, fumar a porra de um charuto cubano! Imaginem o dano que todas aquelas toxinas causaria aqueles pobres pulmãozinhos que mal estavam acostumados ao ar puro, quanto mais a toda aquela fumaça. Temia o quer que estivesse acontecendo ali, mas a saúde do filho vinha sempre em primeiro lugar. Vendo o olhar estarrecido do pai, a cabeça fumante disse:

- O que foi, papai? Quer dar um trago também? - e lançou um círculo perfeito de fumaça no ar.

- Largue já esse charuto, Júnior! - ordenou Luís, realmente puto da vida.

- Júnior? - a cabeça riu sua risada de ogro mais uma vez - Você é mesmo burro o bastante pra achar que eu sou esse porrinha que você chama de Júnior? Puta merda, o sujeito não reconhece uma batata quando lhe põe uma na frente dos olhos!

- Eu não sei que porra você é, mas pelo amor de Deus, tire esse charuto da boca. Você está matando meu filho. Olhe só pra ele, mal aguenta toda essa fumaça no rostinho sensível.

De fato, a criança parecia infernalmente incomodada. Chorava e tossia pra valer. Naquele ritmo, não demoraria muito para perder os sentidos. A cabeça falante olhou de rabo de olho para o companheiro de pescoço.

- Esse moleque é uma bichinha, sabia? Mas tudo bem, tudo bem. Vou fazer o que você pede simplesmente porque esses charutos são a maior merda que eu já pus na boca. Você é mesmo burro para acreditar que esses pedaços de pau queimado são charutos cubanos.

- Como você o pegou?

- O quê?

- O charuto, droga.

- Não fui eu. Foi o bichinha aqui do meu lado. Ele se sentou nessa poltrona, pegou essas porcarias de cima da mesinha ali do lado e ficou brincando com eles nas mãos. Esperei o garoto dar bobeira e abocanhei a droga do charuto com a mão do seu filho e com tudo.

A cabeça ria enquanto Luís se aproximava para tirar o charuto daquela boca nojenta e rançosa. Mas nem foi preciso. Em um só movimento, a cabeça engoliu o charuto inteirinho sem nem ao mesmo mastigá-lo.

- Diabos! - exclamou Luís, dando um salto para trás - Por que fez isso? O seu sistema digestivo é o sistema digestivo do meu filho! Lembre-se disso antes de sair por aí engolindo charutos.

- Nem esquenta - foi o que a cabeça disse antes de soltar um arroto estrondoso.

Luís silenciou-se por um instante e observou com atenção investigativa aquele ser tenebroso atrelado ao seu filho. Um sorriso medonho, sem dentes e revelando uma gengiva enegrecida e má desenvolvida, se estampava no rosto inchado e deformado. Um arrepio cruel percorreu a espinha de Luís enquanto ele perguntava aos céus o que diabos aquilo tudo significava. Engoliu em seco e perguntou, sentindo-se levemente imbecil por estar dialogando com um membro parasita de seu filho:

O Duas-CabeçasOnde histórias criam vida. Descubra agora