Inara sabia reconhecer a derrota, e aquela era uma. Mordendo a língua para não deixar sair os desaforos que lhe vinha à mente, aceitou o pedaço de carne e assentiu em agradecimento. Ele esperou ela se servir de uma mordida e só então assentiu de volta e começou a falar enquanto separava a madeira do fogo para diminuir a potência da chama.
— Todos que andam por aqui nessa época só procuram uma coisa. O tesouro dos espíritos. — Ele levantou o olhar e encarou Inara fixamente.
Ela não conseguiu interpretar aquele olhar, mas sustentou sem piscar, aproveitando aquele momento para avaliá-lo rapidamente. Ele devia ter pouco mais de vinte e cinco anos, parecia muito forte por baixo da roupa. Seu rosto estava encoberto por uma barba escura e espessa. Usava um pano enrolado na cabeça como um turbante.
Deserto... Ele não pertencia as Salinas, não com aqueles trajes e aquele jeito despreocupado. No entanto, estava perto de Bendize, o território dos guerreiros negros e havia um mar de areia não muito longe da cidade. Ele poderia ser um deles, entretanto ele tinha uma cor bronzeada e os olhos claros, muito diferente dos guerreiros negros. Porém, podia trabalhar para eles de algum modo...
Inara ficou confusa e frustrada por não conseguir dizer de onde ele vinha, as informações eram muitas e a maioria controversa já que as roupas diziam uma coisa e os traços dele diziam outra.
Confiar no homem ela não podia obviamente, mas até agora, ele não tinha feito nada além de ficar com rodeios, ele devia estar tentando lhe arrancar alguma informação, ou poderia simplesmente estar querendo uma conversa antes de partir. Ou ela podia estar ficando maluca e esse encontro fosse casual. Por fim, sem nada a perder senão a paciência, ela decidiu entrar no jogo.
— Não pode garantir que o tesouro já foi encontrado, seria uma coisa muito óbvia a se dizer para eliminar um concorrente, não acha?
Ele não falou nada e ela decidiu arriscar, precisava confirmar sua suspeita.
— Porque não faz sua longa jornada de volta ao deserto de onde saiu, e me deixa em paz, hein?
O rapaz riu alto parecendo realmente divertido. Inara ficou com raiva do deboche dele com tudo o que ela dizia e levou a mão direita à boca que até então estava fechada desde que sentou perto do fogo.
Ele não se mexeu, o riso continuou em seu rosto, porém ele a encarou e seus olhos brilharam com uma sagacidade que a fez parar o assopro a tempo.
— Percebi que usou a mão esquerda para pegar a carne que ofereci, no entanto quando pulou você bateu a mão direita ainda fechada no tronco para jogar o corpo, ou seja, você não é canhota.
Inara ainda estava com a mão fechada perto da boca e piscou várias vezes mal acreditando que apenas um detalhe a entregou. Ele balançou a cabeça.
— Está preparada para me atacar desde que sentou na beira do fogo. Mas eu não faria isso se fosse você, caçadora. Posso ser imune aos venenos de sua agulha, talvez eu até use essa mesma tática, ou como última hipótese ao meu favor, quem sabe eu morra aqui mesmo e você seja alvo de uma caçada por essa floresta. Afinal... Eu não disse que estava sozinho.
Inara fez uma cara desanimada, tranquilamente e sem nenhuma vergonha de ser pega no flagrante guardou a agulha na bolsinha que ficava no cinto atrás da costa e suspirou.
O olhou de canto sem verbalizar qualquer resposta e levantou, mostrava uma calma absurda naquele momento, mas pela primeira vez desde que começou essa busca, ela estava confusa em como agir.
Se o matasse poderia mesmo atrair a atenção de outros homens iguais a ele. Ou ele era um cretino de marca maior e tudo aquilo que disse era um maldito blefe para que ela lhe poupasse a vida. De todo modo ela não podia arriscar, o estranho homem tinha vencido mais uma vez.
Sentiu novamente falta de seus companheiros de regimento, se sentia uma guerreira alada solitária e com uma responsabilidade grande demais para resolver sozinha. Não podia por tudo a perder cometendo um erro, e nem sabia se estava acertando quando levantou e ignorou o homem completamente e quando escalou novamente a árvore ainda continuava incerta sobre sua decisão, ficou mais incerta ainda quando arrumou suas coisas e levou às costas pulando de volta ao chão.
Completamente receosa por deixá-lo vivo, e mais ainda por matá-lo e com isso atrair para ela a atenção, Inara o sondou por cima do ombro. Ele continuava sentado tranquilamente a observando atentamente enquanto se ela afastava.
— Não conseguirá me fazer ir embora forasteiro. Vou encontrar o tesouro.
— Está perdendo o seu tempo, caçadora, eu já lhe disse. Os guerreiros negros encontraram ontem.
Inara o ignorou e começou a adentrar a floresta. Torcia intimamente para que ele continuasse sentadinho ali e não a seguisse.
— Então não tenho nada para fazer aqui. Espero que fique feliz por ter a floresta somente para si como queria.
Ouviu a voz do rapaz um pouco mais alta para alcançá-la daquela distancia. — Os guerreiros negros tem muita sorte não acha? Eles já têm uma criatura magnifica com eles, lucram com isso e agora pegam até mesmo o tesouro dos espíritos.
Inara não o respondeu, o mato atrás de si já devia ter bloqueado a visão do homem, tinha que seguir seu caminho. E agora, ela já sabia para onde ir.
Agora sim... Até semana que vem pessoal ;D
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Sanoar 3- Herança Cósmica- (DEGUSTAÇÃO)
FantasíaEm sua busca incansável pelo dragão do equilíbrio Inara corre atrás de cada pequena pista, até que perto de Bendize ela perde o próprio dragão e se vê prisioneira. Agora ela precisa correr contra o tempo e arrumar um jeito de reaver Ônix. Em meio...