O HOMEM: CAPÍTULO II

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Gênese do jagunço

A demonstração é positiva. Há um notável traço de originalidade na gênese da população sertaneja, não diremos do Norte, mas do Brasil subtropical.

Esbocemo-lo; e para não nos delongarmos demais, afastemo-nos pouco do teatro em que se desenrolou o drama histórico de Canudos, percorrendo rapidamente o Rio de São Francisco, "o grande caminho da civilização brasileira", conforme o dizer feliz de um historiador.

Vimos, de relance, em páginas anteriores, que ele atravessa as regiões mais díspares. Ampla nas cabeceiras, a sua dilatada bacia colhe na rede de numerosos afluentes a metade de Minas, na zona das montanhas e das florestas. Estreita-se depois passando na parte mediana pela paragem formosíssima dos gerais. No curso inferior, a jusante de Juazeiro, constrita entre pendores que a desnivelam torcendo-a para o mar, torna-se pobre de tributários, quase todos efêmeros, derivando, apertada por uma corredeira única de centenares de quilômetros, até Paulo Afonso — e corta a região maninha das caatingas.

Ora, sob esta tríplice disposição, é um diagrama da nossa marcha histórica, refletindo, paralelamente, as suas modalidades variáveis.

Balanceia a influência do Tietê.

Enquanto este, de traçado incomparavelmente mais próprio a penetração colonizadora, se tornou o caminho predileto dos sertanistas visando sobretudo a escravização e o descimento do gentio, o S. Francisco foi, nas altas cabeceiras, a sede essencial da agitação mineira; no curso inferior, o teatro das missões; e, na região média, a terra clássica do regime pastoril, único compatível com a situação econômica e social da colônia.

Bateram-lhe por igual as margens o bandeirante, o jesuíta e o vaqueiro.

Quando, mais tarde, maior cópia de documentos permitir a reconstrução da vida colonial, do século XVII ao fim do XVIII, é possível que o último, de todo olvidado ainda, avulte com o destaque que merece na formação da nossa gente. Bravo e destemeroso como o primeiro, resignado e tenaz como o segundo, tinha a vantagem de um atributo supletivo que faltou a ambos — a fixação ao solo.

As bandeiras, sob os dois aspectos que mostram, já destacados, já confundidos, investindo com a terra ou com o homem, buscando o ouro ou o escravo, desvendavam desmedidas paragens, que não povoavam e deixavam porventura mais desertas, passando rápidas sobre as "malocas" e as "catas".

A sua história, às vezes inextricável como os dizeres adrede obscuros dos roteiros, traduz a sucessão e enlace destes estímulos únicos revezando- se quer consoante a índole dos aventureiros, quer de acordo com a maior ou menor praticabilidade das empresas planeadas. E, neste permanente oscilar entre aqueles dois desígnios, a sua função realmente útil, no desvendar o desconhecido, repontava como incidente obrigado, consequência inevitável em que se não cuidava.

Assim é que extinta com a expedição de Glimmer (1601) a visão enganadora da Serra das Esmeraldas, que desde meados do século XVIII atraíra para os flancos do Espinhaço, um após outros, inacessíveis a constantes malogros, Bruzzo Spinosa, Sebastião Tourinho, Dias Adorno e Martins Carvalho, e desaparecendo ao norte o país encantado que idealizara a imaginação romântica de Gabriel Soares, grande parte do século XVII é dominada pelas lendas sombrias dos caçadores de escravos, centralizados pela figura brutalmente heroica de Antônio Raposo. É que se haviam apagado quase que ao mesmo tempo as miragens da misteriosa Sabarabuçu e as das Minas de Prata, eternamente inatingíveis; até que, renovadas pelas pesquisas indecisas de Pais Leme, que avivou, depois de um apagamento quase secular, as veredas de Glimmer; alentadas pelas oitavas de ouro de Arzão pisando em 1693 as mesmas trilhas de Tourinho e Adorno; e ao cabo francamente ressurgindo logo depois com Bartolomeu Bueno, em Itaberaba, e Miguel Garcia, no Ribeirão do Carmo, as entradas sertanejas volvessem ao anelo primitivo e, irradiando do distrito de Ouro Preto, se espraiassem de novo, mais fortes, pelo país inteiro.

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