Partida de Monte Santo
Iam partir as tropas a 22 de fevereiro. E consoante a praxe, na véspera, à tarde, formaram numa revista em ordem de marcha para que se lhes avaliassem o equipamento e as armas.
A partida realizar-se-ia no dia subsequente, irrevogavelmente. Determinara-a a "ordem de detalhe".
Neste pressuposto alinharam-se os batalhões num quadrado, perlongando as faces do largo de Monte Santo.
Ali estavam: o 7º, com efetivo superior ao normal, comandado interinamente pelo major Rafael Augusto da Cunha Matos; o 9º, que pela terceira vez se aprestava à luta, ligeiramente desfalcado, sob o comando do coronel Pedro Nunes Tamarindo; frações do 33º e 16º, dirigidas pelo capitão Joaquim Quirino Vilarim; a bateria de quatro Krupps do 2º Regimento, comandada pelo capitão José Salomão Agostinho da Rocha; um esquadrão de cinquenta praças do 9º de Cavalaria, ao mando do capitão Pedreira Franco; contingentes da polícia baiana, corpo de saúde chefiado pelo Dr. Ferreira Nina; e comissão de engenharia. Excetuavam-se setenta praças do 16º, que ficariam com o coronel Sousa Meneses guarnecendo a vila.
Eram ao todo 1.281 homens — tendo cada um 220 cartuchos nas patronas e cargueiros, à parte a reserva de 60 mil tiros no comboio geral.
Fez-se a revista. Mas contra a expectativa geral, ao invés da voz de ensarilhar armas e debandar, ressoou a corneta ao lado do comando em chefe, dando a de "coluna de marcha".
O coronel Moreira César, deixando depois, a galope, o lugar onde até então permanecera, tomou-lhe logo a frente.
Iniciava-se quase ao cair da noite a marcha para Canudos.
O fato foi de todo inesperado. Mas não houve o mais leve murmúrio nas fileiras. A surpresa, retratando-se em todos os olhares, não perturbou o rigor da manobra. Retumbaram os tambores na vanguarda; deslocaram-se sucessivamente as seções, desfilando, adiante, a dois de fundo, ao penetrarem o caminho estreito; abalou o trem da artilharia; rodaram os comboios...
Um quarto de hora depois, os habitantes de Monte Santo viam desaparecer, ao longe, na última curva da estrada, a terceira expedição contra Canudos.
Primeiros erros
A vanguarda chegou em três dias ao Cumbe sem o resto da força, que ficara retardada algumas horas — com o comandante retido numa fazenda próxima por outro ataque de epilepsia.
E na antemanhã de 26, tendo alcançado na véspera o sítio de Cajazeiras, a duas e meia léguas do Cumbe, abalaram rumo direto ao norte, para Serra Branca mais de três léguas na frente.
Esta parte do sertão, na orla dos tabuleiros que se dilatam até Jeremoabo, diverge muito das que temos rapidamente bosquejado. É menos revolta e é mais árida. Rareiam os cerros de flancos abruptos e estiram-se chapadas grandes. O aspecto menos revolto da terra, porém, encobre empeços porventura mais sérios. O solo arenoso e chato, sem depressões em que se mantenham, reagindo aos estios, as cacimbas salvadoras, é absolutamente estéril. E como as maiores chuvas ao caírem, longamente intervaladas, mal o embebem, prestes desaparecendo sorvidas pelos areais, cobre-o flora mais rarefeita transmudando-se as caatingas em caatanduvas.
Na plenitude do estio de novembro a março, a desolação é completa. Quem por ali se aventura tem a impressão de varar por uma roçada enorme de galhos secos e entrançados, onde a faúlha de um isqueiro ateia súbitos incêndios, se acaso estes não se alastram espontaneamente no fastígio das secas, nos meio-dias quentes, quando o Nordeste atrita rijamente as galhadas. Completa-se então a ação esterilizadora do clima, e por maneira tal que naquele trato dos sertões — sem um povoado e onde passam, rápidos, raros viajantes pela estrada de Jeremoabo a Bom Conselho — inscrito em vasto círculo irregular tendo como pontos determinantes os povoados que o abeiram, do Cumbe ao sul, a Santo Antônio da Glória ao norte, de Jeremoabo a leste, a Monte Santo a oeste, se opera lentamente a formação de um deserto.