10.What do I Know?

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Framlingham, Suffolk, Inglaterra

Oito anos atrás

"Ain't got a soapbox I can stand upon but God gave me a stage, a guitar and a song"

Ouço o meu nome ser anunciado e abraço a velha LX1E que pertencera, outrora, ao meu pai, andando em direção ao centro do palco. Os holofotes estrategicamente dirigidos a mim proíbem-me de ver alguém que se encontre a mais de dois metros de distância. Apesar do mar de escuridão diante de mim, varro os olhos pela sala de espetáculos. Reconheceria a minha mãe qualquer que fosse a roupa que ela usasse e estivesse ela onde estivesse. Reconhecê-la-ia hoje se decidisse ter aparecido para me ver.

Tento convencer-me de que ela ficou presa no raro e pouco trânsito de Framlingham, que o patrão dela não a deixou sair do trabalho – apesar de ser Sábado - e a obrigou a fazer noitada ameaçando-a que perderia o emprego caso não o fizesse, que tinha ido ao aeroporto buscar o seu irmão mais velho naquela que consistia na sua primeira visita à vila onde vivíamos depois da tragédia que tinha abatido a nossa família.

Dei por mim a começar a dedilhar nas cordas da guitarra a música que compora e aperfeiçoara nos últimos meses. Tinha sido escrita especialmente para aquele dia. Para uma pessoa. Para o meu pai. Lembro-me das suas últimas semanas e dos seus últimos dias de vida. A minha mãe sabia que restava ao marido pouco tempo, por isso partimos para Halifax, a nossa cidade natal, onde acabamos por ficar até ao fim do Verão na casa dos meus avós, os pais do meu pai. Lembro-me de passar todas as minhas tardes disponíveis com ele e de partilhar o nosso amor pela música. De ele me dizer para não desistir. De falar dos nossos sonhos e ideais. Do que é verdadeiramente importante na vida. E, mesmo que não mo pudesse dizer ou mostrar nos seus últimos minutos neste mundo, lembro-me do amor que ele sentia por mim.

Esta noite era dedicada a ele e aos seus tempos como professor voluntário de música na pequena escola de Framlingham. Não tinha muitos alunos, apenas dez ou quinze iam frequentemente durante todo o ano, mas todos os que lá passavam deixavam uma marca. O meu pai deixara uma. Agora e para sempre, em frente ao acanhado palco de madeira clara, na primeira fila, havia uma cadeira de estofo poeirento dedicada a ele. O seu nome sobressaia escrito na pequena placa de platina que estava aparafusada àquela cadeira.

Sinto-me em casa. A toda a minha volta vejo as quatro paredes ainda em cimento da cave onde costumava ensaiar e onde, ainda hoje, está o meu piano e as coisas que pertenciam ao meu progenitor. A minha mãe quis guardar tudo. Todos os dias quando desço as escadas de madeira ressecada, em cima da pequena mesa de centro ainda vejo algumas das partituras de músicas nunca acabadas e a nódoa redonda de café seco que uma vez escorreu da chávena abaixo. Agora que estou a cumprir um dos meus objetivos, e ao olhar para o lugar vazio à minha frente, sei que quero mais. Quero mais do que uma sala com cinquenta lugares, uma aldeia no meio do nada e mais do que tocar para os meus amigos. Quase posso ouvir uma voz masculina sussurrar ao meu ouvido que o meu lugar não é aqui. E eu sei que ela tem razão.

O espaço apertado faz o som das palmas ressoar e voltar para trás, concentrado o barulho todo no mesmo lugar. Ao fechar os olhos imagino uma sala de espetáculos em Londres. Nova Iorque. Sidney. Japão. Uma multidão reunida para me ouvir e ouvir a minha música.

"The revolution's coming, it's a minute away I saw people marching in the streets today"

Despeço-me dos meus amigos e subo o lance de três escadas que me dão acesso à porta de entrada de casa. Já são quase oito horas da noite e sei que a minha mãe não deve estar minimamente satisfeita por eu chegar a esta hora, mesmo que se trate de um Sábado. Fui o último a deixar a escola de música de Suffolk, hoje. Esperei até que todos estivessem fora do espaço para pensar sentado na primeira cadeira na primeira fila. Se alguém pode sentar-se nesse lugar, esse alguém sou eu. Só eu compreendia a dor do meu pai, assim como só ele compreendia a minha dor.

Ficstape - Divide (Ed Sheeran)Onde histórias criam vida. Descubra agora