10# Procuro Ajuda

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Tento entrar mais algumas vezes no prédio hospitalar, mas os seguranças se encontram prostrados no hall de entrada, impedindo a minha ultrapassagem.
Me jogo em uma sombra na calçada.
Como poderia obter notícias da Laila do lado de fora?
Não adiantava partir para a agressão, até porque comparando o meu porte físico com o dos seguranças, eu perderia feio.

Avisto uma lanchonete do outro lado da avenida, eis que surge uma pequena idéia.
Uma moça de aparência jovem atende os poucos clientes que ocupam algumas cadeiras.

-Com licença? -chamo sua atenção.

-Sim.

-Sofri um acidente e me encaminharam para este hospital. -apontei para o mesmo. Como eu odeio mentir. -Não sou daqui, nem sei onde estou. Preciso de ajuda. Me deram alta e não tenho para onde ir, nem o que comer. -tentei ser convincente.

-Não posso ajuda-lo, apenas trabalho aqui. -se retirou rapidamente.

-Me desculpe pela aparência, mas garanto que não sou nenhum caloteiro.

Ela suspirou, deixando transparecer que se arrependeria depois.

-Posso te provar. -gritei antes de ser expulso por ela. -Tenho uma amiga que também está internada no prédio. Laila Aguiar. -não tinha certeza, mas apostei muitas fichas no sobrenome Aguiar.

-Ouça... -olhou para os lados e me puxou para um canto. -Terminarei meu expediente em duas horas e sei de uma pessoa que pode te ajudar. -quase não me contive.

-Posso espera-la. Não tenho para onde ir.

-Não aqui e não desse jeito. -apontou para minhas vestes. -Se meu patrão chegar e te ver aqui, irá te expulsar. -entrou na lanchonete e voltou com um uniforme de escola. -Vista.

Estes dias aconteceram tantas coisas na minha vida que acabei esquecendo da escola, não que eu tenha deixado pessoas importantes lá, mas deixei meu futuro. A essa altura o Conselho Tutelar foi acionado e estão a minha procura. Isso se Márcio já não tenha espalhado cartazes na rua com fotos minha.

-Posso me sentar?

-Nada bom para os negócios. -balbucilhou. -Só ocupa cadeiras quem consume algo da lanchonete. Regras da casa. -apontou para uma folha impressa pregada abaixo do balcão.

O uniforme era dois números menores que o meu, foi dificílimo passar nas mangas, me senti em uma camisa de forças.

-Então ficarei do outro lado na calçada do hospital, me chame quando terminar. -ela parecia nada satisfeita.

-Minha rota é outra, melhor não. -atendeu alguns clientes e voltou a falar comigo. -Poupei meu salário o mês todo. Deus? Não me faça arrepender disto. -arrumou uma cadeira confortável e me serviu com suco de morango e pastéis fritos.

-Muito obrigada... hã... -tentei ler seu crachá que era tampado por seus cabelos negros.

-Milla. -mostrou seu nome.

-Milla. Certo. Muito obrigado Milla. -sorri agradecido.

-Disponha. -ela me tratou como freguês. -Precisa de mais alguma coisa? -notei que um homem se aproximava. Certamente seria seu patrão.

-Estou bem servido, obrigada. -entrei no fingimento.

Olhava para o hospital na tentativa de ver algum movimento dos para-médicos, enfermeiros ou qualquer pessoa que adentrava o prédio.
Milla trabalhava redobrado perto do chefe, um cara magricela, alto, corte de cabelo no 1 e aparência de uns 40 anos, expressão de poucos amigos e roupas desprovidas da moda.

Duas horas mordiscando o mesmo pastel e sugando menos de mililimetros de suco para não ser expulso pelo coroa carrancudo. Por vezes o peguei cochichando com Milla e o papo não parecia bom, ela suava e tentava desconversar - percebi pelo seus olhares e engolida de salivas - pensei que ele viria até minha mesa. Como adoraria ter meu celular para disfarçar mais.

-Já estamos fechando. -Milla comunicou, porém, soou mais como um milagre atendido. Concordei e me retirei da mesa.

-Graças a Deus. -glorifiquei. -Como foi com seu chefe?

-Nada bom. Ele queria te expulsar por estar ocupando vaga de quem iria consumir.

-Mas eu estava consumindo.

-Sim, mas apenas um pastel e um suco a duas horas e isso na visão dele é caixa vazio. -franziu as sobrancelhas.

-Desculpe. Um estranho surge do nada, te pede ajuda e quase te faz ser demitida do emprego. -sorrio nervoso.

-Não se preocupe já me virei. Disse que estava esperando sua mãe que estava internada e... bom, não sei se ele acreditou, mas deixou passar.

Seguimos ao rumo contrário do hospital. A todo instante eu olhava para trás preocupado.

-Eu precisava ter notícias da minha amiga. -falei mas ela não ouviu, ou fingiu não ter ouvido.

Meia hora de caminhada para chegarmos a um casarão; a pintura fora recém reformada, assim como as janelas e portas.
O terreno era grande, a casa era rodeada por grama, tinha poucas árvores - mas suas sombras cobriam todo o lugar - que deixava o ar fresco. Em volta, crianças de todas as idades corriam e brincavam em um velho balanço que ocupava a lateral do ambiente. Os portões eram de grade assim como os muros. Entramos.

-Cheguei irmã Conceição. -Milla beija as mãos de uma senhora, cuja aparenta ter 60 anos.

-Como foi o trabalho? -a velha senhora pergunta sem tirar os olhos de mim.

-Hoje foi tranquilo. -respondeu se lembrando da minha presença. -Este é...

-Eddygar. -me apresentei pegando na mão da senhora. Elas sorriram.

-Vou me trocar e já volto. -avisou nos deixando a sós.

-Sente-se rapaz. -indicou me um sofá.

O casarão por dentro cheirava a casa de idosas, o chão de cerâmica e as paredes tinham cores escuras, os móveis não eram novos, porém, muito confortáveis.

-O que te trás ao Orfanato?

-Ele não é daqui. Sofreu um acidente e foi levado para o hospital frente a lanchonete e me pediu ajuda, sua amiga ainda está internada. -Milla reaparece das escadas respondendo a pergunta e me olhando como confirmação. Sorri.

-Ó! Melhoras à sua amiga. -disse Dona Conceição. Agradeci.

-Quer roupas mais confortáveis? -aceitei saltitando. -O banheiro fica à direita. Vou buscar as roupas.

O banho não foi nada fácil. Minhas costelas se repuxavam com o contato da água; meu corpo estava muito sujo, não sei como consegui conviver com meu cheiro durante os dias que fiquei sem me higienizar.

-Bem melhor. -Milla ponderou.

Ela me conduziu para fora do Orfanato. Sentamos em uns bancos de cimento na parte de trás, onde ficava um jardim de trepadeiras e rosas.
Uma garotinha de cabelos castanhos escuros lhe entregou um jornal.

-Você disse que sabia de alguém que poderia me ajudar. -a lembrei.

-Sim. A irmã Conceição pode te dar abrigo até sua amiga ganhar alta. -respondeu sem tirar os olhos dos artigos.

-Posso usar o telefone?

-Não temos. -respondeu com naturalidade.

-Como assim vocês não tem telefones? -hesitei.

-Somos proibidos. Não temos rádio, televisões e nem telefones, a única coisa que nos mantém informados são os jornais. -explicou. -Foi um meio que "encontraram para não tirar nossa atenção dos estudos". -ela mesma riu da idéia estúpida.

-Uau!

Realmente, aquela desculpa não parecia convincente para tal ação. Retirar os meios de comunicação para lhes assegurar uma melhor concentração nas escolas não era suficiente, tinha mais coisas envolvidas nessa história.

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