Dia 3- A memória

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Segunda-feira

Estamos no mês de Abril, um mês relativamente chuvoso e nublado. A vontade de ir para escola e ter que olhar na cara de alguns seres humanos meio nojentos me dá uma agonia. Queria mesmo era estar em casa, confortável em minha cama, enrolada em meu cobertor, escutando uma música agradável que combine com a temperatura fresquinha. Mas, ainda há alguns motivos que me fazem querer ir à escola. Mia, Davi (o garoto no qual tenho uma certa queda), Larissa, Clara, Daniel, Guilherme e alguns funcionários, que por incrível que pareça, fazem o meu dia. A matéria estava como sempre bem chata e parece que a cada dia, estou mais desinteressada no colégio. Minha sorte é que falta apenas um ano para todo esse inferno acabar.

Encontrei com Mia durante o recreio e ficamos batendo papo sobre crushes, dança, vida e umas paradas bem doidas aí. Olhava fixamente em seu rosto e me sentia presa em um sentimento estranho e que só sentia quando perto de Rafa e do garoto da sala A... Me senti confusa durante um tempo, mas tentei me concentrar em outra coisa e logo consegui focar no assunto. Depois da aula, passei um tempinho conversando com Davi e Guilherme, que me acompanhava para saber quem era o "tal" garoto que tanto falava. Em alguns momentos, ficávamos quietos e encarava constantemente Davi. Via-o corar e logo desviar olhar por pura timidez. Não conseguia parar de o olhar, pois o achava tão fofo quando fazia aquilo, que pensava que teria um treco de tanta a vontade de querer apertá-lo. Isso deve ter contribuído para piorar a situação do menino. Eu não sei se foi impressão, mas estava rolando um clima entre nós ali. Eu não queria pensar tanto nele, mas é quase impossível. Não queria ser tão... assim. Me senti constrangida também, pois Guilherme estava bem ao meu lado e por mais que ele seja meu melhor amigo, eu estava o fazendo de "vela"!

Conheci Davi da forma mais estranha possível. Ele era filho da médica ginecologista da minha mãe (sim, GINECOLOGISTA) e ficávamos brincando juntos enquanto ela era atendida. Minha mãe e a dele eram amigas, então volta e meia estava indo em sua casa para brincar e vice-versa. Porém, tive que mudar de estado e ficamos alguns anos sem ter contato nenhum, até esse ano. Quando o vi no primeiro dia de aula, havia ficado pasma. Sabia que era ele. O mesmo olhar tímido, o mesmo rostinho, só que agora muito mais amadurecido, mais... bonito. Ele era aquele tipo de garoto gordinho que os "amigos" zoavam de tudo quanto é forma e quando cresce, se torna desejado pelas garotas e invejado por aqueles que o sacaneavam. Ele mudou e muito, mas não foi impossível de reconhecê-lo. Nosso primeiro diálogo depois de muito tempo foi tipo:

-Hey, Davi! Quanto tempo né?

-Ãhn...? Quem é você?

-Sou eu, Luana! Lembra?

-... Claro

-Então onde nos conhecemos? - disse de uma forma desafiadora jurando que ele erraria

-No consultório de minha mãe, enquanto a sua tinha a consulta.

-Ah... então você lembra? - joguei toda minha confiança no saco e me constrangi por completo, deixando as maçãs do rosto vermelhas e olhando o chão como se estivesse procurando algo

- Eu falei a você que lembrava – estufou o peito e soltou o ar com uma confiança e um sorriso pequeno no rosto, porém orgulhoso

Voltei a encarar ele e tive um flashback de uma cena parecida com essa, porém, era alguma coisa relacionada a brinquedos ou filmes, não me lembro ao certo. Ele não havia mudado no quesito personalidade e isso me divertia. Desde sempre o admirei por ser tão confiante e ao mesmo tempo, adorável. 

-Depois de uns anos eu "descobri" com o que minha mãe trabalhava e acredite, era engraçado dizer isso às pessoas.

-Isso o que? - tinha lerdado um pouco

-Que tinha conhecido uma garota no trabalho da minha mãe – ele cora

-E qual o problema disso? - perguntei de forma ainda confusa e inocente

-Sério isso? - ele ri – Você conhecer uma garota no ginecologista é bem... estranho, não?

-Bom, com a idade que a gente tinha ainda não vi problema nenhum

-Mas aí é que está o ponto da questão. Eles não entendem a parte do "quando eu tinha 6 anos", nem se quer me escutam! - me encara com um sorriso bobo no rosto

-Ah... Agora eu entendi o porquê do constrangimento – falo com a bochecha completamente vermelha, sentindo um calor subir para meu rosto e volto a fitar o chão

Ele me encarou e me deu um abraço longo e caloroso, seguido de um sussurro:

-Você nem faz ideia do quanto eu senti sua falta...

Um arrepio na espinha me subia e o sangue de todo meu corpo borbulhava, fazendo com que meu coração acelerasse cada vez mais. Me recusava a estar sentido aquilo por ele, afinal, ele foi a peste que perturbou e me implicou aqueles anos inteiros. Diziam que era amor, mas eu duvidava que aquilo era verdade. Ele era aquele tipo de amigo que irritava só para te ver vermelha de raiva. Algo em mim estava gritando para eu não cair nas mãos desse garoto, mas parece que eu não me escuto muito bem. Me via ainda abraçada com ele e logo me solto. Não tinha coragem de o olhar novamente, pois ele saberia do quão nervosa estava em seu lado, até porque ele não é mais aquele menino chato gordinho que só sabia implicar e tentar se exibir. Agora ele é aquele garoto cobiçado por todas elas, é esperto e galanteador, está mais forte e alto, mas o fato de se exibir ainda não mudou. Já não sei mais o que faço. Davi é meu amigo, mas é tão estranho sentir algo tão forte por ele... Eu não quero sentir nada por ele, pois algo me diz que ele não é exatamente isso que eu estou pensando.

-Eu fiz tanta falta assim?

-Claro! Sem você, o trabalho de minha mãe tinha ficado tão... vazio e sem graça

-Mas eu nem ia tantas vezes assim pro consultório. Era coisa de meses

-Mas nos víamos nos finais de semana justamente por causa de nossa amizade, não se lembra?

Parei uns instantes para refletir e lembrava dos finais de semana na praça perto de nossas casas.

-Ah sim! Me lembrei das vezes que íamos na praça e ficávamos correndo pra lá e pra cá

...

Eu nem se quer lembrava que éramos tão próximos assim. Na verdade, acho que depois da morte da Rafa, quis apagar tudo que era bom com outras pessoas só pra enfiar na minha cabeça que ela foi a única coisa boa em minha vida. Fiquei confusa por uns instantes, mas me recordei de minha infância e sabia que ela era melhor do que achava.

Assim que eu terminar de escrever, minha vontade é de simplesmente ir dormir, pois depois de hoje e de lembrar todo esse diálogo que tivemos no primeiro dia de aula, sinceramente, já pode acabar o dia que vou sonhar com os anjos (kkkk). 

~Fim de segunda-feira~

Os Lados de LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora