A ilha das bonecas mortas

Cap. 4

A tarde estava escura e chuviscos irregulares tinham caído nas horas anteriores, Giulia fotografava alegremente, já que o ambiente estava "perfeito" para as fotografias sombrias tão características dela.
-Com esta luz não sei se as fotografias vão ficar muito bem... De qualquer maneira, a fotógrafa também não é grande coisa.
Giulia sentiu a presença de Enoch atrás de si:
-Ficavam piores se o modelo fosses tu!! E além disso, a ARTISTA-que sou eu- gosta das suas fotografias assim, ficam quase mais macabras que a poesia do Edgar Allan Poe e do que tu.-sorriu.
-Muito bem, não era necessário ofender, senhorita. Como vê, o meu coração está a desfazer-se em pedaços.-Disse enquanto limpava as lágrimas hipotéticas.
Giulia encarou-o e começou a fotografá-lo mas, contrariamente ao que pensava, não o afugentou, já que Enoch começou a posar de variadas formas.
A fotografa amadora olhou para a câmara e observou as fotos que lhe tinha tirado:
-Não estão más. Terei de retirar as acusações feitas há pouco ao senhor modelo.-sentou-se ao seu lado e partilhou com ele os retratos recentes.
-E eu terei de retirar as acusações feitas à senhora dona fotografa visto que para escolher um modelo tao esbelto e bonito como eu tem de, pelo menos, ter bom gosto.-Concluiu, levando um leve tapa no braço.
-Egocêntrico!
Picaram-se o resto da tarde, ganhando proximidade com cada "boca". E não foi a chuva que tinha recomeçado que os interrompeu, mas sim um grito feminino abafado, como se viesse do fundo do lago...
-QUE FOI ISTO???- perguntou ela com uma expressão assustada.
Ele subiu os ombros confuso.
-Diz-me que também ouviste "SAIAM". Diz-me que não estou maluca, Enoch!!
Ele olhou-a e disse:
-Pareceu, mas é impossivel. Provavelmente é algum animal ou turista. Não sejas merdosa.
-Enoch, não é ser "merdosa"! Eu ouvi!! E parecia que vinha debaixo de água!
Houve uns minutos de silêncio até que ele disse:
-Não deve ser nada... Vamos mas é lá para dentro!
Levantou-se e estendeu-lhe a mão sorrindo:
-Hoje faço eu o jantar. Ok?
Giulia não respondeu e Enoch reparava nela uma perturbação que o assustava em parte, aquela rapariga faladora e gozista, estava calada e com medo.
Após uns minutos, Enoch apareceu ao pé dela com dois pratos cheios:
-Bom apetite! Pasta Carbonara! Não sei se gostas, mas como o teu nome é meio italiano ou lá o que é...
-Obrigada, está com um ótimo aspeto.- disse esforçando um sorriso.
Não houve mais palavras até ao fim do jantar.
-Estava mesmo ótimo. Eu lavo a loiça.-disse Giulia.
Enoch tentou impedi-la mas ela insistiu e quando voltou, ele perguntou:
-Como estás?
-Confusa. Estás a ser simpático comigo...
-Se quiseres posso voltar a ser cabrão já, não precisas de pedir duas vezes!-riu- agora, a sério, aquilo não foi nada. Não precisas de te preocupar.
-Provavelmente. De qualquer maneira, senti algo e isso assusta-me.
-Algo??
-Sim. Uma presença, sem ser a tua.
-Giulia.-olhou-a nos olhos- isso é psicológico, só estamos aqui eu e tu. E chega bem! Eu e tu.- fez uma pausa- Vês mais alguém? Sentes mais alguém?
-Sei lá se sinto agora! Não sei nada!
-Não digas isso! Sabes sim! Sabes escolher modelos lindos para as tuas fotos!
-Oh- riu Giulia- tenho medo de ti simpático sinceramente!
-Eu sou simpático, não vejo é a necessidade de o ser quando não conheço minimamente as pessoas...
-E conheces-me minimamente agora é?
-Não tanto quanto gostaria, mas já tenho melhor impressão do que quando chegaste. Aí achava-te cuscuvilheira, metediça, abelhuda.
-Eu achei-te estranho, misterioso e desculpa se foi essa a imagem que te passei. Só te queria conhecer, a ti, às bonecas, aos corações,... Não tenho medo de ti Enoch, tenho curiosidade. Quero saber tudo sobre ti.
-São histórias para outra altura.-beijou-lhe a testa.- Vou lá para baixo.
-Enoch, podes ficar hoje? Só hoje? Estou com medo de ficar sozinha.
-Se te sentes mais segura comigo...-disse deitando-se novamente no sofá ao seu lado.
Mal eles sabiam que esta seria a primeira noite de muitas que eles passariam juntos.