Cap. 8

78 6 0
                                    

Não sabia o que pensar. Não sabia se a afastava ou se a puxava para ainda mais perto. Se lhe dizia que não sentia nada por ela ou se lhe dizia que sentia tudo. Se era cedo ou se era tarde demais. Enoch mostrava ao mundo uma faceta que na realidade não existia no seu interior, talvez para se defender usasse o sarcasmo, a ironia e o pessimismo. O sarcasmo e a ironia afastavam as pessoas e o pessimismo impedia que ele ficasse desiludido. Mas a verdade era uma, o seu feitio e impaciência não tinham conseguido afastar Giulia e isso era de louvar, apesar de aos poucos ele lhe ter revelado o "verdadeiro eu", ela ficou ao seu lado, como nunca ninguém tinha ficado.

Giulia ficou porque viu nele um rapaz magoado por trás de toda a arrogância, viu um rapaz esperançoso capaz de animar alguém, um rapaz que gosta de histórias de amor tristes mas que, bem no fundo, torce para que as coisas ainda corram bem. Ele compreendia-a a um nível extraordinário pois eles eram completamente opostos. Enquanto Enoch dava a conhecer uma faceta feia e mórbida e por dentro era carregado de uma beleza de espírito, Giulia mostrava-se feliz e animada, quando por dentro era corroída por tristeza e dor, consequentes da corrente do passado sórdido que ainda trazia agarrada a si.

-O que foi isso?-perguntou Enoch.

-Desculpa.-levou as mãos à cabeça.-Não sei o que me deu. Acho que não aguentava ouvir-te a dar mais uma justificação parva para os fenómenos recentes.

-Podias-me simplesmente ter mandado calar!-disse sem sorrir.

-Já pedi desculpa, Enoch!-disse saíndo de casa e expondo-se ao vento forte que ainda continuava a soprar.

Giulia sentou-se no chão perto de uma árvore que a protegia da rajada e enrolou os braços à volta das pernas fletidas. Enterrou a cabeça no meio delas e começou a chorar:

-"Só faço merda"-pensava.-"Achar que ele também sentia algo por mim foi a coisa mais estúpida que fiz".

Considerou que não só o beijo tinha sido um erro mas também ter ido para ali. Secalhar tinha sido melhor não ter deixado a mãe alcoólica e os olhares acusadores da escola. Mas, na realidade, tudo o que lhe estava a parecer erro naquele momento, foi um acerto em cheio.

A culpa assombrou Enoch até que este decidiu ir procurar Giules e esperar que ela o perdoásse. "Sou tão estúpido" pensava. Sentou-se ao lado dela e deu-lhe um leve toque de ombro:

-Desculpa. Não queria ter reagido assim. Às vezes não entendo o porquê de dizer certas coisas.

Ela levantou a cabeça e limpou as lágrimas à parte de trás da mão:

-Não tens culpa por dizeres o que sentes.-fungou.

-Não é bem assim.-Enoch queria dizer o que sentia mas não tinha a certeza se seria o mais correto e, mais uma vez, deixou escapar a oportunidade.-Sabes que eu nunca fui tão próximo de alguém e ocasionalmente não sei como agir. Nunca ninguém me viu da maneira que tu me viste.

Ela riu:

-Nunca ninguém te viu a babares-te?... É uma maneira de dizeres que até gostas um bocadinho de mim?

-Não!-respondeu arrependendo-se logo a seguir ao ver a tristeza da rapariga.- Vá, de uma maneira, sim.

O rosto de Giulia iluminou-se e ambos coraram.

-Vou fazer umas lutas. Queres vir comigo?-perguntou Enoch.

-Porque não?-o vento havia parado e o sol começava a surgir entre as núvens. Entretanto Giulia reparou em algo que estava no topo da árvore:

~-Olha!-apontou.-Lá está o pássaro outra vez!

-Tu, o pássaro, as flores dos mortos e um chá da camomila. Que podia pedir mais?

-Corações e bonecas.-constatou Giulia.

Enoch pareceu admirado com a resposta, mas acabou por confirmá-la. No entanto, quando se deslocavam para casa, repararam numa cobra que rastejava para fora de uma boneca caída no chão. Era uma cobra pequena, preta e de olhos amarelos. Mas não foi isto que os afugentou, foi a boneca que torceu o pescoço para os olhar rapidamente que os fez fugir para dentro de casa, trancar a porta e fazer figas para estarem malucos.

A ilha das bonecas mortasOnde histórias criam vida. Descubra agora