Cap. 5

83 7 0
                                    

De manhã, quando Giulia abriu os olhos, Enoch já não se encontrava junto a ela, mas em cima da mesa repousava uma cempasúchil sobre uma nota rabiscada. Pegou rapidamente nela e leu "Espero que tenhas conseguido descansar. Deixei-te uma flor dos mortos, já que gostas tanto delas. Estou lá baixo, por favor não me interrompas. Quando poder, eu subo."

Enoch assistia à luta das bonecas há pouco trazidas à vida e controlava cada movimento com a sua mente e acabou por dar a vitória à maior, novamente.Tinha sido sempre assim na sua vida, porque agora seria diferente? O maior ganha sempre. É a lei do mais forte. Decidiu reservar algumas energias para o resto do dia e arrumar as bonecas dilaceradas e, quando o fazia, um barulho penetrante provocou-lhe um reflexo no braço que fez com que um dos frascos caísse no chão e se fragmenta-se. O rapaz pegou rapidamente nele e, mal ele o fez, o coração começou a palpitar. 

Saiu da cave a correr e entrou de rompante no andar de cima:

-Giulia! GIULIA!

-Sim?- disse preocupada.- Que se passa?

-Arranja-me um frasco. Rápido!

Ela olhou-o desorientada, mas fez o que ele mandou. 

-Abre a tampa!- disse Enoch enquanto destapava o coração.- Vai buscar formol à casa de banho, rápido Giulia!

Ela ficou a olhar para o coração e para ele, para o coração e para ele, confusa.

-Giulia!

Ela obedeceu, sem perguntas e dentro de pouco tempo, ela observava o rito dele. Colocou formol até mais da metade do frasco e colocou o coração lá dentro, que parou de bater no momento que deixou de tocar a pele dele e fechou a tampa. Respirou fundo e não disse uma palavra durante algum tempo, até que depois de uns momentos pensativos, a olhou e disse:

-Vem comigo lá baixo.

Sem replicar, ela seguiu-o e mal a porta foi aberta, apareceu um homem de face sinistra mas que sorria, até ver o frasco e o respetivo orgão.

-O que é isso?- perguntou o senhor.- O que estão a fazer aqui?

-Ahmm. Boa tarde. Isto?- disse levantando o frasco?- É um orgão falso! Obviamente!- o homem olhou desconfiado, então Enoch estendeu a mão e disse- Eu sou o Daniel Johnsonn e esta rapariga adorável é a Joanne Anderson.

-Prazer!- disfarçou Giulia.

-Igualmente...Eu sou o Manoel, decidi visitar este lugar e ia descansar um pouco, mas vejo que já está ocupado.

-Pois, desculpe isso. Nós estamos a filmar um filme para o nosso último ano do liceu. Chegamos ontem e vamos ficar mais uns dias.-disse Enoch.

-Interessante! E, se me permitem perguntar, estão a usar o quê para filmar?

Giulia dirigiu-se ao interior e foi buscar a sua Canon rapidamente.

-Com isto.-disse.

O homem observou a câmara e disse:

-É bastante boa... Bem, desculpem incomodar as "filmagens".-riu- Vou só dar uma volta à ilha e depois volto à minha vida! Espero que consigam boa nota, vir até ao México por um trabalho é dose.

-Estamos à espera de conseguir uma bolsa.-disse Enoch.

O homem desceu as escadas e continuou:

-Espero que a consigam!

No momento que o homem desapareceu da sua vista, Giulia sentou-se abalada:

-Que merda acabou de acontecer?

-Giulia! Fala baixo!- sussurrou.- Não sei, vou pousar isto lá dentro, não podemos ir lá baixo de maneira nenhuma agora enquanto o homem não se for embora.

-Estou farta disto Enoch!  São espíritos a gritar, pessoas a aparecer! Eu só queria desaparecer da face do planeta terra e ficar sozinha e nem isso consegui! Vim para aqui e mesmo assim isto já estava ocupado por ti! Nunca pensei que fosses tão bom mentiroso.

Enoch olhou-a:

-Se não o fosse, já tinhamos a polícia aí e tu já estavas a viajar de volta para a tua família. Esse era o preço da sinceridade Giulia, menti para nos proteger, para TE proteger. Tenho mentido durante a minha vida para o fazer. Tenho mentido para justificar os cadáveres que fugiam da casa funerária dos meus pais, as manchas de sangue na minha roupa,... 

Giulia foi para dentro de casa e fechou a porta deixando Enoch na rua. Este percorreu a ilha e foi pensando naquilo que tinha revelado à amante da flor dos mortos, aquilo que nunca tinha revelado a mais ninguém.

Perto da meia-noite, Enoch bateu à porta.

-O turista já se foi embora.-esperou uma resposta que não obteu.- Não te quero mentir, Giulia. Mereces saber a verdade e não te julgo se fugires de mim. Estarei lá baixo à tua espera.

Antes de poder chegar ao fundo das escadas, Giulia ja tinha aberto a porta e percorria os passos traçados por ele.

A ilha das bonecas mortasOnde histórias criam vida. Descubra agora