[QUINZE]: JUNTAR AS PEÇAS

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ALISON

As gotas da chuva forte escorrem pela janela do ônibus escolar da Zaco. Me sinto um tanto descolocada em estar aqui ao invés de ir caminhando na chuva. Em meus fones, ouço o álbum Norman Fucking Rockwell, acredito que ouvir Lana Del Rey combina com qualquer estação do ano, até mesmo com o verão em um dia chuvoso e um tanto mais frio.

Desbloqueio a tela do meu celular diversas vezes por minuto. Estou um tanto nervosa desde que enviei para a professora as minhas duas sugestões de adaptação de Romeu e Julieta para a nossa nova e primeira peça de teatro no ano. O resultado seria ainda hoje e eu não seria a única pessoa tentando concorrer a aquela seletiva vaga, lembrar disso me causa uma dor na nuca, ao menos sei que me dediquei para fazer algo bom o suficiente, fugindo de qualquer tentativa do velho clichê, Shakespeare ficaria orgulhoso de qualquer uma das minhas sugestões, principalmente a segunda, ainda mais habitual que a primeira.

Encosto a cabeça contra o vidro. Meus fios ruivos estão soltos e são movidos graças a pouca ventania que entra pela janela à frente, bagunçando a minha visão até que eu os passe para trás da orelha outra vez e ignore tudo o que está em meu redor. Adolescentes costumam ser irritantes, mais ainda se forem os adolescentes da Zaco, sequer sei como suporto o Nicholas e a Kimberly, ou o Derek.

Desconhecido: — Como está o seu progresso?

Recebo aquela mensagem em desconhecido que me faz gelar quando a notificação chega, imaginando ser a resposta tão aguardada. Não é, mas é aquele número quase anônimo que conheço já há um tempo.

Alison: — Preciso de um empurrão seu caso queira que tudo funcione como você espera, não posso fazer isso sozinha.

Meus dedos digitam aquelas palavras o mais rápido que consigo, embora eu não queira ter que enviar. A pessoa visualiza em poucos segundos.

Só estou fazendo isso por meus pais e pela situação em que estamos. Nossa tentativa de manter o ramo da família, o tão não mais famoso cinema ao ar-livre de San Pier, está indo por água abaixo. Quem deixaria de frequentar o Shopping de San Francisco e todo o luxo que ele oferece para visitar um cinema meia-boca em uma cidade mais afastada? As coisas estão mais fracas do que antes, fracas o suficiente para repensarmos em abrir a loja de discos outra vez para auxiliar em nossa renda extra, ou, em pior dos casos, voltar a morar em Santa Mônica com a irmã da minha mãe.

Pensar em deixar San Pier antes da hora me faz querer gritar.

Desconhecido: — Sabe o que te prometi, não sabe? Vou cumprir com o meu lado caso você cumpra com o seu, não estou te pedindo muito, e eu sei que você é uma amiga bastante persuasiva, conseguirá exercer seu trabalho muito bem, seus pais vão agradecer a você.

Me sinto fútil por estar fazendo isso.

Estou indo contra todos os meus reais princípios por algo que sequer irá me beneficiar diretamente, mas ajudará demais a minha família caso realmente aconteça, mesmo assim, saber que parte dessa história será minha, me deixa enjoada.

Alison: — Não se preocupe com isso, temos um acordo.

Meus olhos retornam para as gotas de água na janela, descendo uma pós outra como se estivessem travando uma batalha suícida, afinal, todas chegarão ao mesmo caminho no final. Aperto as mãos contra o moletom em cor preta, me certificando que realmente estou viva e ciente das merdas que estou me propondo a fazer para garantir a minha própria sobrevivência de forma desigual.

Infelizmente é assim que as coisas funcionam.

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Depois do Ritual (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora