O diário que Mia veio a escrever pouco tempo antes de ter partido, tornou-se num dos melhores dramas conhecidos até à atualidade.
Por todas as ruas do Porto se ouviam contar boatos de uma tragédia que abalara a família Silva. Passados alguns meses, mesmo assim, por todas aquelas ruelas estreitas e sinuosas, cobertas por alcatrão, as paredes mantinham-se à escuta, à espera de ouvirem mais uma das duzentas mil milhões de versões que inventaram relativamente a um suicídio.
Martim voltara à cidade natal em 2029, depois de ter completado 18 anos de idade. Chegara ao Porto em Julho, vinha um rapaz novo, trazia consigo a namorada, uma rapariga alta e morena de olhos verdes, chamada Nádia. Contava-se por lá que Martim tinha vindo para ficar, depois da sua estadia em Lisboa durante algum anos.
Pelas ruas, só se ouviam murmúrios, e viam-se de longe os falsos sorrisos que se esbatiam a longo prazo nas caras dos vizinhos. Martim ia subindo a rua esguia por entre as casas falantes, dirigindo-se ligeiro até um casebre no final da estrada.
Na porta tinha uma pequena lápide de mármore antiga, já quase a cair aos pedaços, cor de musgo com umas flores desenhadas em volta, que dizia: "Família Silva". O pequeno casebre estava completamente abatido, as suas paredes que outrora eram brancas, estavam agora num tom amarelado, cheias de fungos e quase a desabar. Era uma casa pequena com apenas dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho. Todas as divisões estavam num estado lastimável, havia cartas de contas por pagar no meio do chão, as paredes estavam cheias de humidade assim como os móveis de madeira antiga que Maria adorava.
Anteriormente aquele lugar era um mundo de emoções, havia quadros com mensagens positivas por toda a casa, a música nunca parava de tocar, havia sempre um cheirinho doce que pairava no ar e o melhor de tudo, havia amor por todo o lado.
Foi no ano de 2014, quando toda a gente o tratava por Tim, foi antes dos famosos atentados ao jornal Charlie Hebdo, antes de a Adele publicar o seu terceiro álbum e ele mal podia esperar pela sua festa dos quatro anos.
Num dia quente de outono ouviam-se lindamente os pequenos rouxinóis a cantar no topo das árvores, o sol estava abrasador e não corria nem um bocadinho de vento, portanto Martim decidiu ir brincar para o seu jardim, onde tinha todos os seus amiguinhos, a Jojoca, o Tritão e o Jujuba, que por coincidência eram todos animais, mas só o Martim é que os conseguia ver. A Jojoca era uma joaninha, o Tritão era um macaco e o Jujuba era um leão, mas não era um leão qualquer, o Jujuba era o rei do jardim da família Silva.
Martim estava a divertir-se bastante a brincar com os seus amigos imaginários, que para ele não eram assim tão imaginários, até que de repente um barulho saiu vindo de dentro da casa.
-Esperem amigos, eu já volto, vou explorar a situação e resolver o mistério do barulho! - disse Martim enquanto olhava para o solitário baloiço que estava supostamente a ser ocupado por um dos seus três animais.
Assim que entrou em casa, o menino viu a mãe sentada no chão de madeira lascada a chorar como se não houvesse amanhã.
-Mamã que se passa!? - perguntou o pequeno Tim tentando levantar a cabeça à pobre senhora.
A mãe não lhe respondia, até que de repente Mia entrou em casa, tinha chegado da escola e deu de caras com o pai a sair com as malas na mão.
-Pai vais viajar outra vez?
-Sim querida, mas desta vez o pai não vai voltar...
-Então porquê!? - pergunta ela assustada.
-Filha a mãe depois explica-te tudo, mas agora o pai tem de ir embora, adeus minha querida, cuida bem de ti e do Martim. - e assim ele fez, saiu pela porta fora sem dar nenhuma explicação plausível à filha de catorze anos e nunca mais a voltou a ver.
A pobre Mia não percebia o que se estava a passar, para ela era normal o pai ir viajar, ele trabalhava numa agência de viagens como guia turistico, raramente estava em casa, por isso era muito dificil ela e o irmão estarem com ele.
Martim saiu da sala a correr em direção ao seu quarto, enquanto Mia se ia dirigindo à divisão onde estava sua mãe.
- Mãe! O que se passa!? - perguntou a menina, sentando-se ao seu lado.
-Não se passa nada meu amor, está tudo bem, respondeu Maria enquanto limpava as lágrimas e se tentava levantar do soalho rachado.
A menina ficou calada enquanto via sua mãe sair pela porta da sala em direção ao seu quarto.
Os dias foram passando e tanto a Mia como o Martim não sentiam a falta do pai, para eles já era habitual ele não estar presente na hora do pequeno almoço, na hora do almoço e muito menos na hora do jantar.
Um dia, enquanto Mia voltava da escola, passou por uma senhora idosa que estava deitada num banco de jardim com um saco cheio de quinquilharias.
A menina ficou parada a olhar para aquela senhora baixa, velha de cabelos brancos, que por sinal não parecia ter um teto onde viver nem comida para se alimentar. Foi nessa altura que Mia se lembrou de que não tinha comido o seu pão com manteiga à hora do lanche e decidiu dá-lo à pobre senhora.
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E se um dia eu voltasse a ser criança
Mystery / Thriller"E se um dia eu voltasse a ser criança" é um drama que nos conta a história de uma jovem chamada Mia a partir de um diário que lhe foi oferecido pelo tio. Envolvam-se assim como Martim nos maravilhosos momentos que Mia tem para nos mostrar e sofram...