Capítulo 5

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Na ambulância, a velhinha tentava falar, mas por detrás daquela máscara de oxigénio que impedia o sangue de lhe escorrer para o pescoço, nada se percebia.

-Mi... – tentava ela dizer.

-Não fale Dona Genoveva, já estamos a chegar, vai ver que vai ficar tudo bem! – dizia a menina na tentativa de acalmar a senhora.

Até que Genoveva tirou a máscara lentamente e numa voz muito rouca já quase sem vida disse:

-Mia, eu sou tua avó.

A menina não podia acreditar naquilo que estava a ouvir, de facto ela nunca conheceu a sua avó materna, mas a mãe sempre lhe dizia que a avó tinha morrido pouco tempo antes de ela se casar com o pai da menina.

A ambulância nao tardou a chegar ao hospital, contrariamente às palavras de Mia que não saiam da boca, talvez por não saber o que dizer. A sua cabeça andava às voltas como se ela própria estivesse dentro de um furacão.

-Quem é a menina? – perguntou o enfermeiro.

-Sou a neta! – respondeu Mia confiante.

A situação era bastante complicada, mas Mia só queria que a agora avó Genoveva saísse de lá viva, algo que poderia não vir a acontecer tento em conta a quantidade de ferimentos na cabeça que a senhora tinha.

O telemóvel toca horas depois, era Patrícia a ligar, ela também, estava preocupada com a senhora, mas o que a preocupava mais era o facto de a proteção de menores estar a porta da casa da família Silva.

Interrompendo a chamada, o doutor que fez a operação a Genoveva disse:

-Menina, tenho uma notícia para lhe dar...

-Doutor a minha avó vai ficar bem!?

-Ainda é muito cedo para saber-mos isso, a sua avó está em coma, ainda não sabemos como é que ela irá reagir, porém ela pareceu-me ser uma mulher muito forte e poderá voltar a ficar bem!

-Posso ir vê-la doutor? – indagou Mia com lágrimas nos olhos.

-Sim, ela já foi transferida para o quarto, eu acompanho-a até lá.

Mia passou a tarde toda junto da avó contando as suas histórias de vida, mesmo sabendo que a avó poderia não estar a ouvi-la. Até que se lembrou do que Patrícia lhe tinha dito na chamada.

-Bem avó, eu agora tenho que ir, a minha melhor amiga ficou com o Martim e eu não posso abusar da amabilidade dela. – Beijou a mão de Dona Genoveva e saiu a correr em direção a casa.

A corrida foi longa, pois o hospital ainda ficava um pouco longe de sua casa, a menina nem pensou sequer em apanhar um táxi, uma boleia que fosse, a única coisa que tinha em mente era o seu irmão a ser levado pela policia e por uma assistente social qualquer de muito bom ar, loira de olhos verdes provavelmente vestida com umas calças clássicas e um blaiser listrado.

Assim que chegou ao último quarteirão antes da subida acentuada que daria a sua casa, viu ao longe as luzes dos carros da PSP. O seu coração disparou, era com o se Mia se tivesse transformado num furacão, onde todos os seus sentimentos se envolviam cada vez mais a cada passo que dava em direção a porta de madeira que estava aberta.

-Mãe!? – chamava Mia enquanto ia entrando em casa.

Do lado de lá a resposta foi mais rebuscada.

-Chamo-me Raquel e sou a assistente social! És a Mia certo?

-Sim, onde está o meu irmão?

-O Martim está lá dentro a despedir-se da mãe, podes lá ir também se quiseres, mas não demores muito, tenho ordens para vos levar para a instituição o mais rápido possível.

-Eu não entendo, porquê que nos vai levar? Nós estamos bem aqui, está tudo bem, como pode ver à sua volta não sofremos de maus tratos, estamos bem...

-Recebemos uma denuncia anónima que nos disse que a vossa mãe era toxicodependente e vos deixava sozinhos em casa para se ir...

-Prostituir? É isso que queria dizer? Já ouvi rumores por aí também, tanto na escola como aqui mesmo na vizinhança, eu e o meu irmão somos descriminados, sempre que passamos ouvimos alguém dizer : "Pobre crianças, coitados não têm culpa da mãe que têm" ou "aquela ... não quer saber dos filhos". Somos conhecidos como os filhos da prostituta do quarteirão...

-Lamento muito Mia!

-Não, não lamente, eu sei porquê que a minha mãe está assim, ela nunca foi esta pessoa, ela sempre foi tão carinhosa, foi a melhor educadora, foi a melhor mãe possível, até descobrir que o marido, o homem da sua vida, o seu mais que tudo, a traiu com a sua própria irmã, irmã essa que atirou a própria mãe para a rua apenas com um saco de pano velho com alguns "tesouros". A minha avó está neste momento em coma numa cama de hospital, não se sabe se ela vai acordar ou não, soube hoje que a Dona Genoveva era minha avó e Deus já a quer tirar da minha vida. Agora entendo as histórias todas que ela me contava, ela disse-me que a sua filha engravidou muito jovem e que foi uma vergonha para a família, por isso expulsou-a de casa com uma barriga de cinco meses. Fiz na corrida para cá a ligação entre todas essas histórias e a minha, são as mesmas doutora. A minha mãe sofreu bastante durante toda a vida e depois do meu pai se ter ido embora dizendo-me apenas para cuidar do meu irmão, ela não aguentou, diga-me a senhora se não acha razoável tudo isto, diga-me a senhora se não acha que a minha mãe está simplesmente com uma grave depressão, diga-me, seja sincera comigo. Eu e o meu irmão estamos felizes aqui, à beira da nossa mãe! Não nos leve da nossa casa, não nos leve do pé dela.

E se um dia eu voltasse a ser criançaOnde histórias criam vida. Descubra agora