Capítulo 2

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-Boa tarde, desculpe incomodá-la, não me leve a mal, mas gostava de oferecer-lhe este pão, sei que não é muito, mas espero puder ajudar pelo menos em troca de um pequeno sorriso. - disse Mia enquanto se aproximava da mendiga e se ajoelhava perto dela.

-Eu não acredito... - respondeu a senhora com lágrimas nos olhos - estou neste banco há mais de um dia e tu minha querida foste a única pessoa que reparou que eu estava aqui, mas sinto que não devo aceitar a tua oferta, afinal esse é o teu lanche.

-Não se preocupe, eu já almocei e não tenho fome, aqui tem! - dizendo isto, a menina colocou o pão nas mãos da senhora e levantou-se.

-Por favor, aceita um dos meus tesouros. - pediu a senhora abrindo um saco de pano castanho e sujo que estava ao seu lado.

-Deixe estar não é preciso! - respondeu Mia.

Aquela pobre senhora ficou destroçada, levantou-se do banco de madeira onde estava outrora sentada, pegou naquele saco velho e a cambalear foi-se afastando.

-Espere, peço desculpa se me fiz interpretar mal, eu pensei que não quisesse perder um dos seus lindos tesouros, ainda posso tirar um?

A mulher sorriu e abriu o saco, fazendo com que os olhos de Mia se direcionassem de imediato para um caderno de cor azul ciano que estava por baixo de um espelho.

-Boa escolha Mia!

-Como é que sabe o meu nome? - perguntou a menina.

-Simplesmente sei, adeus e obrigada minha querida!

Dito isto a senhora virou costas e seguiu lentamente por aquele passeio destruido, graças às raizes das árvores, que tentavam ver-se livres daquele maldito cimento que as aprisionava.

Mia seguiu o seu caminho de regresso a casa e não tardou muito até lá chegar. Assim que entrou pela porta de madeira lacada, deu de caras com a mãe de cigarro meio apagado na boca e copo na mão sentada no sofá de pano preto que ficava no canto da sala mesmo enconstado à janela.

-Mãe está tudo bem? - perguntou Mia.

-Não me apetece falar agora Mia, vai para o teu quarto!

A menina baixou a cabeça e com a lágrima no canto do olho fez o que a mãe lhe mandou sem retorquir.

Do nada Martim entrou no quarto a chorar:

-Mia, a mamã bateu-me, eu cheguei a beira dela e só disse: "porquê que não falas para mim mamã e ela bateu-me logo, assim PUMBA!".

-Estás a dizer-me a verdade Martim?

-Sim Mia, eu prometo que te estou a dizer a verdade, olha! - dizendo isto o menino mostra a marca da mão da mãe nas suas costas.

A menina ficou perplexa ao ver o estado do irmão, mas não teve coragem de ir até à sala confrontar a mãe.

-Martim não te preocupes, vai lavar os dentinhos e vestir o pijama e vem para o quarto que a mana lê-te uma história.

-Está bem! - respondeu o menino limpando as lágrimas pesadas que escorriam pelo seu rosto.

Mia sentou-se na secretária para fazer os trabalhos de casa, mas assim que abriu a mochila, todos os cálculos matemáticos desapareceram dando lugar à imagem daquela velha senhora. Sem esperar, pegou no pequeno tesouro e abriu-o devagar ficando curiosa com aquilo que viu, dentro daquele caderno havia só um grande "nada", portanto Mia decidiu dar-lhe vida:


"13 de Junho de 2014

Chamo-me Mia Silva, tenho catorze anos e vivo no Porto.
Querido diário, sim é verdade, mais cliché seria impossível, mas não é isso que importa. Hoje foi um dia horrível, quando me levantei de manhã pelas 07:30h., reparei que nada está como era dantes, há uns dias atrás a minha mãe acordava-me com beijos na face, assim como fazia todas as manhãs, tanto a mim como ao meu irmão, mas agora não, agora é totalmente diferente, até porque ela nem estava em casa, disseram-me os vizinhos que ela saiu bem cedo em direção ao centro da cidade, não sei o que foi lá fazer, ela não quis falar comigo. Levantei-me sozinha e ajudei o meu irmão a preparar-se para o infantário, vesti uns jeans pretos com uma camisola branca com um estampado dos ACDC e quando já estava suficientemente mal vestida para ir para a escola diriji-me à cozinha onde o meu irmão já esperava pelo pequeno almoço. ..."

-Mia já estou pronto, podes ler-me a história? - perguntou Martim assustando a irmã.

Mia já nem se lembrava de ter prometido ao irmão que lhe lia a história, mas assim fez, pousou a caneta de tinta azul em cima do seu novo melhor amigo e dirigiu-se à prateleira para pegar no conto favorito do irmão, "Os carrinhos".

A menina foi lendo a história lentamente fazendo com que o irmão adormecesse pouco depois do fim da quinta página, do pequeno livro colorido. Mia fechou-o e vergou-se lentamente para beijar o irmão na testa sem o acordar e retomou a melancólica história que estava a contar ao seu novo amigo.

"... Assim que acabamos de comer o pão com manteiga do dia anterior fomos para a escola, deixei o Martim na dele que por acaso é aqui perto e fui até à paragem de autocarro onde me encontro todos os dias com a Patrícia a minha melhor amiga.

Eu conheci a Patrícia na escola, ela entrou para a minha turma no sexto ano e a partir daí somos inseparáveis, ela é a única pessoa que nunca gozou comigo e nunca me deixou sozinha. Contudo chego a ter pena dela por andar comigo, acabamos por ser as duas gozadas e eu não queria que ela ficasse triste e chateada por minha causa.

Bem passando a frente as partes chatas... O meu pai saiu de casa há um mês atrás, não faço a mínima ideia do que aconteceu, mas tenho a certeza que os meus pais se vão separar, por isso é que a minha mãe está neste estado.
Ah é verdade, pelo caminho, passei por uma senhora, pareceu-me ser uma sem-abrigo, por isso dei-lhe o meu lanche, e ela deixou-me ficar contigo. O mais estranho, foi que ela disse o meu nome e eu não faço ideia de quem é que ela possa ser, mas prometo a mim mesma que irei descobrir.

Obrigada por me ouvires e por me deixares compartilhar todos os momentos da minha mediucre vida contigo.

"Beijinhos, até amanhã."

E se um dia eu voltasse a ser criançaOnde histórias criam vida. Descubra agora