Capítulo 7

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Mia era dona de um ser extraordinário, era uma menina bastante madura para a sua idade, algo que foi obrigada a desenvolver tendo em conta as circunstâncias. Contudo, mesmo os seres mais fortes acabam por se submeter à fragilidade humana.

O diário de Mia era o seu confidente, era lá que ela escrevia todos os seus sonhos e pesadelos, todos os seus medo e emoções, era a ele que ela confessava o seu desejo pela morte, o seu desejo por alcançar a felicidade e foi isso que ela fez.

No dia 25 de Abril de 2018, dia em que se comemorava a liberdade no orfanato, Mia abriu mão de tudo o que tinha para agarrar a sua própria liberdade. Com apenas dezoito anos, a filha de Maria seguiu as pisadas da mãe e na casa de banho das raparigas pegou uma lâmina de um apara lápis e com ela fez dois golpes profundos, um em cada braço. Poderão comparar este ato ao da Hanna Baker ou ao de outras adolescentes que põem fim às suas vidas da mesma forma. Mia não foi exceção. Foi encontrada pouco tempo depois, ainda estava viva, mas a ambulância não chegou a tempo. Na sua mão tinha um bilhete para Martim que dizia:

"Olá Tim!

Estou a escrever-te isto deitada na minha cama enquanto tu estas a brincar com a Nádia no jardim, consigo ver-te da janela a jogar ao macaquinho de chinês.

Queria pedir-te um favor e tens que me prometer que o vais cumprir. Se algum dia fores adotado por alguma família, promete-me que vais amá-los como se fossem o teu papá e a tua mamã de verdade. Promete-me também que vais portar-te bem mesmo sem eu estar lá. Mas agora vou contar-te um segredo.

Na nossa casa antiga, no nosso quarto está um caderno azul que eu não consegui trazer para cá, ele está guardado na primeira gaveta da nossa mesa de cabeceira. Quando fizeres dezoito anos, pede à pessoa que estiver a tomar conta de ti na altura para voltar lá a nossa casa. Leva contigo o caderno que me deram cá para eu escrever as minhas coisas e junta os dois. Vais ter acesso à nossa história, depois podes fazer o que quiseres com ele, mas promete-me que vais guardá-lo!

Mais uma coisa, agora eu já consigo ver a Jojoca o Jujuba e o Tritão de que tanto falavas e eu nunca acreditava, eles são lindos e adoram-te.

Sabes Tim, estou a escrever este bilhete com as lágrimas nos olhos porque sinto que não te devia deixar, mas lá em cima os anjinhos chamam por mim e eu não posso desrespeitar as ordens deles.

Quando lá chegar, eu e a mamã vamos ligar a nossa televisão das nuvens só para te ver crescer cá em baixo, para te ver correr até seres muito grande e seguires a tua vida.

Lembra-te de uma coisa Martim, a mana ama-te muito e vou estar sempre aqui ao pé de ti para te apoiar!

Amo-te muito meu pequeno Tim."

Martim foi adotado anos mais tarde, quando ia completar dez anos de idade por uma família lisboeta que tinha perdido o filho com uma doença terminal, Tim ocupava agora o seu lugar. Era filho de uns pais bastante trabalhadores e com salários bem altos que o ajudariam a formar-se em engenharia depois de acabar o décimo segundo ano.

Assim que completou dezoito anos de idade, Vera a sua mãe adotiva deu-lhe uma caixa de papelão que continha no seu interior todos os objetos particulares de Mia, incluindo o bilhete que ela deixou para o irmão e o seu diário suplente. Foi nesse exato momento que Martim se lembrou do que a irmã lhe tinha pedido à anos atrás.

-Mãe, pai, agora que já fiz dezoito anos, queria pedir-vos um grande favor.

-Claro, tudo querido! – respondeu a mãe adotiva.

-Queria pedir-vos para ir ao Porto com a Nádia visitar a minha antiga casa, gostava de ver como é que as coisas estão, tenho muitas saudades. Espero que compreendam.

-Claro que sim Martim! – respondeu o pai. –Acho que fazes muito bem em ir!

Foi então que em Julho, no fim dos exames Martim e Nádia a sua namorada de longa data, foram de viagem com destino ao Porto. Os seus vizinhos reconheceram-no de imediato e como já era de esperar o burburinho foi instantâneo.

Martim ia subindo a rua esguia por entre as casas falantes, dirigindo-se ligeiro até um casebre no final da estrada. Na porta tinha uma pequena lápide de mármore antiga, já quase a cair aos pedaços, cor de musgo com umas flores desenhadas em volta, que dizia: "Família Silva". O pequeno casebre estava completamente abatido, as suas paredes que outrora eram brancas, estavam agora num tom amarelado, cheias de fungos e quase a desabar. Todas as divisões estavam num estado lastimável, havia cartas de contas por pagar no meio do chão, as paredes estavam cheias de humidade assim como os móveis de madeira antiga que Maria adorava.

Tim dirigiu-se de imediato ao seu quarto, levando Nádia pela mão, abriu a primeira gaveta da mesa de cabeceira, assim como Mia lhe pedia no bilhete e lá estava ele, o pequeno caderno azul ciano já com as páginas amarelas por causa da humidade.

O irmão de Mia sentou-se na cama de casal outrora dos dois e pegou em ambos os cadernos para os juntar assim como a irmã lhe tinha dito. Mas mal abriu o caderno que o orfanato cedeu a Mia saiu de lá de dentro uma folha solta que Nádia correu a apanhar. Nessa folha estava escrito:

E se um dia eu voltasse a ser criançaOnde histórias criam vida. Descubra agora