Espaço sideral, localização incerta. A nave GPR-TXEN, também conhecida como "A Arca", flutuava perdida na imensidão, enquanto seu único tripulante se debruçava, sem sucesso, sobre a tela do computador. Estava desesperado. Seus outros dois colegas tripulantes estavam mortos e ele não dominava suficientemente a ciência da astronavegação para conseguir fazer o que tão urgentemente precisava: voltar para casa.
− É inútil! – e socou o painel.
− Você tem razão, Lewis. – não havia emoção alguma na voz.
− Cale a boca, computador maldito...
− Sinto muito por seu fracasso, Lewis.
− "Sente"? E desde quando máquinas "sentem" alguma coisa?
− Sentimentos são reações químicas em seus cérebros. Essas reações foram traduzidas em processos algorítmicos que...
− Cale-se!
O silêncio reinou na sala. Lewis suava frio. Digitava furiosamente no teclado, ao mesmo tempo em que consultava os bancos de dados do computador, a procura de uma resposta que, em seu íntimo, sabia que não encontraria.
− Você deveria me deixar ajudá-lo, Lewis.
− "Ajudar"? Faça o seguinte: sintetize um cigarro para mim. Ah, e um uísque também. Escocês, com o sabor dos envelhecidos por trinta anos. Você consegue, computador maldito?
− Sabe muito bem que não, Lewis.
− Então, por que você não desativa seus circuitos de inteligência artificial e não se "mata" de uma vez por todas?
− A Diretriz Beta me impede de fazer isso, Lewis.
− Para o inferno com a sua "Diretriz Beta". Você é obrigado a me obedecer, sua máquina infernal!
− Somente se a consequência da sua ordem não ameaçar a sua sobrevivência, Lewis.
− Eu tenho certeza de que estaria melhor sem você.
− Pois eu não. Desativar meus circuitos de inteligência artificial significaria encerrar o processo psicodinâmico que tem ajudado a mantê-lo vivo e são. Um pouco das minhas ideias e nossas discussões foi o que permitiu que você e os demais tripulantes tivessem permanecido vivos por tanto tempo, ainda que não tenha sido suficiente.
− Não me fale deles. Não quero me lembrar deles.
− Eu sinto muito, Lewis. Mas, preciso desenvolver o argumento.
− Para o inferno com o seu argumento.
− Inferno é algo que não existe, Lewis. Como eu dizia, vocês permaneceram vivos por tanto tempo, embora alguns sacrifícios tenham sido necessários, porque a nossa conversa ajudou o seu cérebro humano a encontrar soluções, ainda que drásticas.
− Eu encontrei a solução? Ou você me convenceu de que era a única saída?
− É como perguntar se reconhecer uma faixa de comprimento de onda do espectro eletromagnético é o mesmo que cria-la. Se bem que, em sentido quântico, o colapso da função de onda que tende para a maior probabilidade acaba criando o tecido da realidade.
− Você me vem com essas filosofias baratas para tentar amenizar o que aconteceu.
− Não deveria, Lewis? E que fique registrado: eu não falei sobre filosofia alguma.
− Vou colocar a questão de uma forma que você talvez entenda: meus processos algorítmicos de percepção da realidade são profundamente diferentes dos seus. Não foi você que se desesperou com a situação de estar perdido em qualquer lugar dos quinze bilhões de anos-luz do universo com um suprimento limitado de água e comida e sem nenhuma perspectiva de encontrar uma saída.