2. Vermelho da Cor da Mudança

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1

Embora tenha chovido na noite anterior, a temperatura está agradável quando acordo. Alguns raios de sol entram por entre alguma janela e, apesar de ter dormido no sofá, foi uma noite bem dormida.

A primeira noite completamente dormida em semanas, aliás.

"Mal cheguei e já tenho um avanço?", penso alto, sorrindo em seguida.

Fico tão feliz que penso em correr e gritar, e é exatamente o que faço: saltitando pela sala e gargalhando alto, chego à conclusão de que estou no meu lugar, de que finalmente tomei uma decisão boa.


2

O quarto não é tão assustador assim, na verdade. Entro nele para separar roupas novas e talvez o susto tenha sido mais pelo estado emocional de quando cheguei; é um cômodo lindo, e novamente me sinto pequeno dentro dele, mas agora é como se isso fosse o normal - e o é, considerando que vivemos em um Universo tão vasto. A tranquilidade que sinto nele me deixa inspirado. Acho que é o meu lugar favorito na casa, afinal.


3

"Na esquina da sua casa tem um mercadinho", Namjoon alertou durante o trajeto de ontem. "É familiar. Uma senhora cuida dele junto ao esposo, a dona Taeyeon. Não se preocupe com eles, são muito gentis e, se precisar, estão sempre dispostos a ajudar."

Usando uma simples bermuda e uma camiseta lisa, tomo coragem para sair de casa e comprar meu café da manhã. O descanso me fez bem e, apesar de tudo, estou energético, o que torna a tarefa um pouco menos difícil.

Tranco a porta e dou de cara com o jardim, que não tive tempo de olhar. Inúmeras flores crescem por ele todo, bem como uma árvore carregada de flores brancas. Há algumas rosas vermelhas perto de mim, imponentes e belas, além de um pequeno ninho na árvore.

"Fofo!", exclamo antes de me mover. Terei tempo suficiente para admirar a beleza do lugar.

A rua não é muito comprida. Se muito, são cinco casas e mais a minha, no meu lado da rua. Onze casas e o mercadinho, então.

Caminho rapidamente até a pequena construção e me deparo com uma lojinha azul e branca, com uma placa manual de "Estamos abertos" pendurada na janela de vidro. Bonitinho. Tomo cuidado ao entrar e, pegando uma das cestas dispostas ao lado da porta, dirijo-me para a primeira prateleira que vejo, a de geleias.

Eu amo geleia. É como o paraíso na Terra.

Passo algum tempo escolhendo os sabores, e é com pesar que vou procurar torradas e pães. A barriga fala mais alto, de qualquer forma.


4

"Bom dia", cumprimenta a senhora no caixa. "Você é o rapazinho que se mudou, não é? Seja bem vindo, querido", diz amavelmente.

Sorrio amarelo antes de assentir com um aceno curto e voltar a colocar minhas compras no pequeno balcão. São dez da manhã, indica o relógio pendurado atrás dela. Está começando a esquentar, e o ar, ligeiramente seco, incomoda levemente meu nariz.

"Obrigado", agradeço um pouco desconfortável, sentindo as mãos transpirarem.

"Sabe", ela começa, "as pessoas aqui são muito gentis. Principalmente o Taehyung, aquela criança danada. É um bom menino. Não se deixe levar pelas fofocas que ouvir, sim?"

Concordo rapidamente e pago pelas mercadorias. O relógio marca dez e cinco. Novamente agradeço e saio como um foguete, ansioso para voltar para casa e ficar sozinho, mas em minha ânsia acabo por esbarrar em um cliente que entrava.

Ótimo. Nada me faria mais feliz.

"Sinto muito!", me desculpo nervoso, curvando-me em seguida.

Não tenho tempo de observar sua aparência, apenas noto que é loiro e que usa uma camisa manchada. Assim que ele diz que não há problema, levanto-me e, mantendo a cabeça baixa, saio do mercadinho. Envergonhado, corro para casa sem olhar para trás.

Espero não ter de passar por isso novamente.


5

Não é que eu não goste das pessoas ou não esteja me esforçando o suficiente. Quem me dera poder voltar ao normal! Só não consigo. Não consigo não consigo não consigo. O que eu deveria fazer?


6

Tento abrir a porta pela quinta vez seguida e nada. Desisto. Meus olhos lacrimejam e não consigo respirar direito, de modo que deixo as sacolas encostadas na parede e me sento ao lado delas, apoiando a testa aos joelhos.

Suspiro alto. Um, dois. Um, dois.

Um.

Dois.

Ainda não consigo respirar.

A impressão de ser observado é gritante, então me arrasto lentamente até a árvore, encontrando conforto em seu tronco e frescor. Estar disfarçado me deixa melhor. Aqui, o ar é mais gelado e alcança meu pulmão em meio aos ofegos cada vez menos frequentes, enquanto as mãos, agarradas à grama, encontram na terra molhada seu momento de conexão ao mundo real.

"Eu estou vivo e tudo está bem", repito como um mantra durante alguns minutos.

Algum tempo passa, não sei precisar. As lágrimas pararam de escorrer e já posso respirar. Observo se há algum vizinho na rua e me levanto lentamente, fugindo de um contato imaginário.

Nada.

Abro a porta e, assim que entro em casa, me sinto aliviado.

Finalmente.

Eu, Jung Hoseok, estou vivo. E está tudo bem.


7

Quando eu era mais novo, minha mãe costumava dizer que tudo acontece por uma razão. A vida, a morte, o sucesso, a falha; temos muito a aprender enquanto humanos.

Não sei se isso é real. Gosto de acreditar que, na verdade, tudo é fruto do acaso, seja bom ou ruim.

Tenho me sentindo perdido, de qualquer forma. E sozinho. Como se meu espírito estivesse se afastando cada vez mais do que sou - do que já fui - e meus sonhos ficassem cada vez mais distantes.

Seria isso uma lição?

Acho que sou só muito azarado.


8

Opto por arrumar minhas coisas e quando termino são quase cinco da tarde; o dia passou tão rápido que nem o percebi. De algum lugar, um instrumental animado alcança meus ouvidos; é o único som que ouço, além dos pássaros que provavelmente estão no jardim.

Estou cansado.

A cama me parece uma ótima ideia agora, e é para lá que vou, terminando de tirar a camisa e jogando-a no canto. Olhar a pintura do teto é uma das melhores coisas a se fazer, percebi ao longo do dia, e é isso o que faço por algum tempo.

"Por que você é assim?", questiono. Ela não me responde. "O que pensaram enquanto estavam te pintando?"

A janela exibe um lindo anoitecer, os raios de luz dando lugar a um céu arroxeado, cada vez mais cheio de estrelas. Não presto atenção nisso, de qualquer forma, imerso em meus pensamentos.

"Quando isso vai melhorar, Hoseok?"

Eu não respondo; a pintura tampouco. A música ainda toca, cada vez mais baixa, no fundo da minha mente; e, em algum momento, adormeço, finalmente em paz.

Vermelho da Cor do CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora