O som do despertador me acorda para mais um dia de batalha contra mim mesmo.Não, não é drama.
E mesmo que fosse, ninguém tem um puto motivo para me julgar ou vão dizer que ser abandonado pela mulher que você ama, com uma filha pequena, é fácil?
Eu tinha uma vida perfeita, ao menos eu achava que sim.
Trabalhava com o que eu amava, tinha meus pais e irmã comigo cheios de vida e saúde. Casei com a mulher da minha vida, para quem eu dava o mundo, bastava ela pedir e por fim, realizei meu sonho e me tornei pai.
Eu era imensamente feliz.
O que mais eu poderia querer?
Era o que eu pensava todos os dias ao fazer o caminho para casa, depois de um plantão. Voltava sempre ansioso, feliz por encontrar minhas duas meninas.
Mas em um dia específico tudo mudou.
Entrei em casa preocupado, angustiado por ouvir minha filha de cinco meses chorando desesperada, procurando abrigo no colo da minha esposa.
Mas ela não estava ali. O vazio da sua ausência preenchia o quarto da nossa filha. A peguei nos braços e tentei em vão acalma-la.
Chamei por Márcia e ela não respondeu. Caminhei apressado ao nosso quarto e ela também não estava ali.
"Desculpa, eu não nasci pra isso"
Foi o recado que ela deixou no espelho, com um batom vermelho sangue.
Olhei ao redor incrédulo, observando algumas peças de roupa jogadas ao chão, vestígio que ela selecionou cada coisa que levaria com ela.
Eu passei meses procurando por ela, Mércia parecia não existir mais, se pessoas não a conhecessem e se não tivéssemos minha filha para comprovar sua passagem na minha vida, qualquer um poderia me chamar de louco, em afirmar que tinha sido casado com ela.
Sua partida me transformou, eu não conseguia me reconhecer nos dias que passaram, eu me afundei em tristeza, em bebidas e a todo instante eu me culpava por não ter sido melhor.
Mas em um dia que eu estava caindo de bêbado, minha filha precisou de mim e eu não pude ajudá-la. Graças a Deus meus pais estavam em casa, vigiando meus passos e puderam socorrer Ana.
Ela ficou febril e chegou a convulsionar, se eu estivesse sozinho, minha filha teria morrido comigo no cômodo do lado e eu nunca me perdoaria.
Então eu resolvi viver por ela. Me reergui, voltei a minha rotina de trabalho e cuidados com minha pequena. Passei a fazer de tudo para suprir a falta materna e tenho me saído bem, mesmo que as vezes eu desabe debaixo do chuveiro.
Já são quatro anos que me tornei um homem, frio, de coração gelado, totalmente descrente do amor.
Eu somente acredito no amor que eu tenho verdadeiramente por minha filha e minha família.
- Papaizinho? - Ana bate na porta do quarto - Abre aqui pra mim, por favor?
Sorrio com seu pedido e saio do banheiro enrolando em uma toalha. Abro a porta e me deparo com o sorriso lindo da minha pequena.
- Bom dia princesa - abaixo e beijo seu rosto.
Ana parece comigo fisicamente, seus olhos e cabelo, são escuros como os meus e esse sorriso sapeca, eu vejo na maioria das minhas fotos de criança.
Como meu pai diz sempre que nos vê juntos, somos cópias fiéis.
- Papaizinho lindo, o senhor pode me levar na escolinha hoje? - pede com os olhinhos brilhantes.
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Vidas traçadas
RomanceAté onde o amor pode te levar? Até onde o amor pode suportar? Uma ferida do passado pode acabar com seus sonhos, pode espalhar sofrimento e assim causar estragos que talvez não tenha perdão. Mas não podemos saber até onde esses estragos vão, até pa...