"Da próxima vez que você vier aqui, Ricardo, pague direito, seu cretino!" diz minha tia enquanto enxuta um de seus clientes. Ricardo é o típico cliente que chega no restaurante e passa a perna na hora de pagar, jogando a desculpa 'de que não tinha pegado dinheiro suficiente como achou'. Essa é a segunda, e pelo visto, a última vez que ele vem aqui.
Os demais clientes olham divertidos o barraco que a dona do restaurante acaba de fazer. E enquanto isso, eu fico no caixa, fazendo a contabilidade da coisa. Admito que aqui não é o meu lugar preferido de trabalhar, digo o posto do caixa; queira eu trabalhar ajudando a preparar os pratos, trabalhar na cozinha. Mas minha tia disse que sou mais prático com números do que com comida. Eu fico ainda meio que na dúvida se é porque ela não quer pagar uma pessoa a mais para trabalhar ou porque ainda não viu os meus pratos feitos.
Eu moro com minha tia desde que me mudei de Rio de Janeiro para cá, Santana do Livramento, uma pequena cidade no Rio Grande do Sul, há aproximadamente uns 4 anos. Desde que minha mãe entrou na reabilitação eu não pude arcar com as despesas da casa onde morávamos sozinhos, então eu parti para morar com minha tia, irmã de meu pai, do qual morrera há 8 anos num atentado de roubo em nossa casa.
"Se a coisa continuar assim, acho que fechamos com chave de ouro esse mês." diz Antônia, uma das garçonetes.
De fato tenho que concordar com ela. Desde o início do mês, do primeiro barraco do qual envolvia o Ricardo, o número de clientes aumentou generosamente. Acredito que todos vêm aqui para ver se alguma coisa irá acontecer. Já que não é pra tanto, sendo que o restaurante da minha tia foi nomeado como 'Ponto-Barracos' pelo nosso jornal da cidade. Um nome que ela não gostou muito, mas mesmo assim ela teve que reconhecer que a matéria foi bem favorável aos negócios dela.
"Homem mais chato. Nunca vi isso." minha tia se aproxima tirando seu avental e o colocando atrás do balcão do caixa. Ela me olha. "Me avise se ele vier da próxima vez, Guto."
"Beleza, tia. Tranquilo."
Depois disso, nada de novidade. O dia segui-se normal.
Já é fim de expediente e sexta-feira. O restaurante não abre nos finais de semana. Um ponto curioso já que o local é um restaurante. E restaurantes abrem praticamente, todos os dias.
Estou quase na porta do restaurante quando minha tia me chama.
"Guto, vem cá, rapaz."
"Sim?" enquanto me aproximo, vejo a incrível semelhança entre ela e meu pai. Cabelos ruivos, olhos verdes, sardas pelo nariz e maças do rosto proeminentes. Além dela, eu também sou a 'cópia dele'. Com meus 1,80, tenho um corpo em plena forma, olhos verdes cinzentos – que herdei da minha mãe –, cachos ruivos que seu eu não cortasse, ficariam, como minha tia diz, um 'anjo com cabelos de fogo'.
Ela estende sua mão.
"Aqui. Seu pagamento da semana."
"Eh, valeu tia."
"E faz um favor. Dê comida ao Bolinho, sim?" Bolinho, o cachorro dela.
"Claro. Sem problemas."
Saindo do restaurante, observo o céu e vejo já se escurecendo, ergo meu pulso e olho que horas são. 20:20. droga. Se eu tivesse saído mais cedo, teria tido tempo de ir na livraria pra pegar o livro que acabei de encomendar. O novo livro da Veronica Roth.
Resignado, caminho pelas ruas iluminadas do centro, da Rua dos Andradas, e vejo a multidão que perambula pra cá e pra lá. Como é sexta-feira, e de noite, as pessoas saem pras ruas a fim de curtir o início do verão. Quase todos vão pra BR, a rua principal onde se pode encontrar fileiras intermináveis de carros em ambos os lados da rua, todos os seus sons ligados e pessoas bebendo.
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Me perdi! (romance gay histórico)
RomanceDepois de mais um dia de trabalho no restaurante de sua tia, Gustavo decide passear pelas ruas da cidade, aproveitando que estão desertas devido a um show, ele vai até a fonte da praça internacional, o ponto turístico de sua cidade, o lugar onde abr...