QUASE...

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                CAPÍTULO CINCO

Algumas semanas depois...
Ele fuçava o celular dela com avidez, como se procurasse a senha que abriria um cofre de tesouro.
- Posso saber o que você está fazendo com o meu celular? Quantas vezes terei que dizer que não gosto que mexam nas minhas coisas sem avisar? – Esbravejou Gaby com as mãos em sua cintura.
- Desculpa mana, é que eu queria pegar o número da sua amiga, Cristiny.
- Então porque você não me pediu ao invés de ficar bisbilhotando sem permissão? – Ela tomou o celular da mão dele.
- Está bem Gaby, me desculpe! Eu não vou mais fazer isso. Agora você pode me passar o número dela, por favor?
- Hummm e pra que você tanto quer o número do celular dela? – Perguntou em tom de provocação.
- Isso não te interessa. – Ele retribuiu a provocação.
- Ah seu mal agradecido! – Ela sentou ao seu lado, no sofá. – Pronto para anotar?
- Sim, pode falar! – Ele retirou o celular do bolso e salvou no número na agenda. – Será que ela tem whatsapp?
- Tem sim! Aliás, vou ligar para ela, faz alguns dias que não conversamos.
- Ok! Eu vou ali ao banheiro.
- Cris? – Gaby deitou no sofá.
- Oi nega! Tudo bem?
- Sim, graças a Deus! Você sumiu esses dias, aconteceu alguma coisa?
- Não, é que estive ocupada. Esse mês terminou o 2º bimestre e foi uma correria danada na Escola. Alguns de meus alunos ficaram com notas baixas. E você sabe como sou preocupada com meus alunos.
- Sim, eu sei. Até exagera às vezes. Hein, te liguei para te fazer um convite. Vamos ao cinema hoje?
- Não sei amiga, não estou legal hoje.
- Deixa de doce Cris! Vamos sair, quem sabe você não conhece alguém especial?
Eu já conheci o seu irmão, ele é suficiente, pensou Cris, esclarecendo logo em seguida: - Não estou a fim de conhecer ninguém, sua boba!
- Vou me arrumar e em meia hora estarei passando em sua casa. Fique atenta a buzina!
- Gaby, eu não...
Gaby desligou o celular, se dependesse da Cristiny não sairiam para lugar nenhum.
Cristiny morava sozinha e preferia ficar em casa lendo um bom livro ou assistindo clips na televisão. Era uma típica pessoa caseira. Por isso, Gaby, que gostava de sair, arrastava a amiga, literalmente, para vários lugares. E conforme prometido, ela passou na casa de Cris meia hora depois. Foram ao Águas Lindas shopping assistir um filme de comédia. Compraram bastante pipoca e refrigerante, afinal, cinema só é completo quando se tem pipoca e refrigerante.
  Depois que a sessão terminou foram olhar as lojas de sapatos. Ficaram eufóricas com os novos lançamentos, era um sapato mais bonito que o outro. Sentiram vontade de levar todos. Mas como o dinheiro não era suficiente ambas se contentaram em comprar apenas dois pares. Gaby optou por uma bota cano alto para o inverno e as lamas comuns na cidade, brincou ela. E uma sapatilha vermelha para usar no trabalho. Já Cristiny comprou uma gladiadora preta salto quinze, para uma ocasião especial e rasteirinha com estampas para usar no dia a dia.
Quando caminhavam rumo a praça de alimentação, Gaby viu um amigo saindo do Vapt vupt,  um órgão responsável por diversos serviços, como por exemplo classificados de emprego, retirada de documentos básicos etc..
- Olha, é o David!
- Quem?
- Vamos lá falar com ele. – Gaby puxou sua amiga pela mão.
David estava de costas guardando uns papéis em uma pasta transparente, Gaby se aproximou e cutucou a sua costela, ele virou automaticamente, para ver quem era a atrevida. Cristiny não conseguiu disfarçar, o olhou de pés a cabeça. Ele era um jovem de aparentemente 22 anos, moreno alto, cabelos lisos cortado em social com um discreto topete, olhos castanhos, nariz fino e lábios grossos, além de um corpo sarado de 1,75m. Usava uma calça jeans e camisa regata preta, mostrando seus bíceps. Um moreno de tirar o chapéu, ponderou Cristiny.
- Que legal te encontrar por aqui. – Ele abraçou Gaby.
- O que fazes por aqui?
- Vim tirar a segunda via do meu RG, acredita que perdi? Fui jogar futebol com a rapaziada ontem e não sei como, desapareceu.
- Estranho. Ah, deixa eu te apresentar uma amiga, essa aqui é a Cristiny.
Cristiny estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas ele lhe deu um abraço.
- Prazer conhecê-la!
- O prazer é meu. – Respondeu sem graça.
- O David é um grande amigo meu e dos meninos, Josué e Samuel. Acho que já falei dele para você, né?
- Sim, o Samuel inclusive vive jogando vídeo game na casa dele. Mas eu nunca havia conhecido. – Respondeu Cristiny.
- Desculpa a pergunta, mas você está usando o perfume Floratta? – Perguntou David.
- Sim. – Cristiny colocou uma mexa do cabelo atrás da orelha.
- Quando te abracei senti o cheiro. É o mesmo que uma ex namorada usava.
- Estávamos indo fazer um lanche, quer ir conosco?
- Seria uma boa! Estou com fome.
Eles vão à praça de alimentação, que está cheia de pessoas e crianças, visto que bem perto havia um espaço reservado para jogos. Ao sentarem à mesa esperando os seus pedidos, David colocou sua pasta transparente em cima, mostrando um belo desenho de um tigre.
- Você quem desenhou? – Cristiny apontou para o desenho.
- Ah, você fala desse rabisco? Sim fui eu.
- O David é um artista! – Exclamou Gaby – qualquer dia desses quero que você me desenhe.
- Não sou tão bom assim!
- Modéstia sua! Esse tigre ficou perfeito. – Cristiny elogiou, impressionada com a habilidade de David.
- Se não me falha a memória, você também desenha, né amiga? – Gaby perguntou, ao mesmo tempo em que se levantou para ir buscar seu hambúrguer.
- Na verdade eu pinto quadros! Mas por enquanto consigo desenhar apenas paisagens.
- Maneiro! Qualquer dia desses me mostra suas obras de artes?
- Quem me dera fossem obras de artes! Tenho até vergonha de mostrar.
David reparou quão bela era Cristiny, seus lábios rosados contrastavam com sua pele branca e seus cabelos negros que estavam soltos terminando em seus ombros. Além disso, ela usava um vestido lilás rodado com babados nas pontas até os joelhos e um salto preto. Seus brincos, discretos coraçõezinhos de ouro, revelavam muito de sua personalidade. 
O fato de desenharem fez aumentar a afinidade entre eles. Começaram a conversar sobre os mais variados assuntos. Desde as obras de Picasso aos clássicos de Beethoven. Cristiny notou que David era uma jovem culto e pela primeira vez não se sentiu um peixinho fora d’água, pois de todos os amigos que possuía, apenas ela tinha esses gostos, peculiares.  De repente, pareciam não notarem a presença de outras pessoas por ali, inclusive Gaby ficou sobrando e visto que eles não lhe davam atenção e os assuntos que conversavam não lhe interessava, ficou olhando no celular as atualizações dos amigos no facebook.
- Você é bem legal Cristiny! Pena que não lhe conheci antes. Meu Deus! Acho que mulheres como você estão em extinção.
- Digo o mesmo com respeito aos homens. Infelizmente, hoje em dia poucos dão atenção às músicas de qualidade, poemas ou obras de artes.
Eles continuavam a conversar e por acaso, Josué chegou à praça de alimentação. Ao notar sua irmã abandonada por David e Cristiny resolveu chamá-la para conversar. Quando o viu aproximar, Cristiny entrou em coma, embora estivesse acordada. David falava sem parar, mas suas palavras não eram mais ouvidas por ela. Seus olhos, sua mente, seu coração e seus sentidos estavam atentos e direcionados unicamente para a pessoa do Josué. David percebeu que Cristiny olhava atentamente para outro lugar e quando se virou para o que ela tanto olhava, conseguiu discernir algo que talvez ninguém soubesse ou houvesse dito: Ela estava apaixonada por Josué. E isso estava estampado em seus olhos, assim como um outdoor iluminado.
- Você quer ir lá falar  com ele?  - Sugeriu David.
- O quê? Hãm?  Desculpe David, sobre o que estávamos falando mesmo?
- Esquece, vou lá falar com meu amigo “Joshua”. - Era assim que David costumava chamar Josué. – Você vem?
Cristiny o acompanhou, suas pernas estavam inexplicavelmente bambas.
- E aí Dave, beleza? - Eles se cumprimentaram com aquele típico cumprimento de rapazes,  batem as mãos e depois dão um soquinho  nos punhos um do outro.
- Fala Joshua só de boa? 
- Beleza. - Ao notar  que Cristiny se aproximava, Josué  mudou de feição. – Cristiny, você por aqui!!  Que surpresa agradável.
- Bom te ver também Joshua, ou quero dizer, Josué. - Ela sorriu sem graça e Josué seu perdeu naquele sorriso. - É que eu vi o David te chamar assim...
- É Josué em inglês.- respondeu David um tanto quanto incomodado com a situação
- Mas você pode me chamar assim também se quiser, Cristiny. - Ambos sorriram se encarando por alguns segundos Josué Lança seu olhar galanteador para Cristiny,e ela sem graça porém o encarava também - Não sabia que você e David se conheciam- Diz ele
- Na realidade eu o conheci agora pouco. Estava passeando com a Gaby  e o encontramos.
-Tá certo! – Ele colocou as mãos no bolso da calça jeans.
Nesse momento, Gaby percebeu que ela e David estavam sobrando, por isso, teve uma Idea:
- Então gente, já que todo mundo se encontrou aqui no shopping, que tal se fossemos lá pra casa ver um filme, hein?  Que tal? – Fez uma cara de súplica.
- Eu acho uma ótima idéia. – David se empolgou.
- Ah gente, não sei...
- Ah não Cris, não começa! Vamos, a noite é uma criança!
          - Mas é que acabamos de assistir um filme aqui no cinema do shopping e eu...
- Nem pensar, você sempre inventa desculpas. - Questionou Gabriela
- Vamos Cristiny!  Vai ser legal, a galera toda junta. - David  pediu.
- Além disso, tenho certeza que você não fará nada de importante hoje a noite. – Gaby cruzou os braços.
Cristiny não podia refutar os argumentos de sua amiga. Realmente, ficar em casa, sozinha, não era tão bom quanto estar na companhia de pessoas tão animadas e principalmente do Josué. Antes de responder, ela mordeu os lábios, em completa dúvida, olhou para todos, um a um, até que seus olhos finalmente encontraram os de quem queria. Josué caprichou no olhar suplicante e malicioso e esboçou um sorriso. Como resistir?
- Está bem, vocês me convenceram! Mas não posso ficar até muito tarde.
- Não esquenta! Josué está de moto e te leva em casa depois. – Gaby deu de ombros.
- E seu carro? – Cristiny perguntou assustada, não tinha certeza se estava preparada para andar de moto com o Josué.
- Vou ter que deixar na oficina do Zé. Precisa de uma revisão urgente.

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Uma hora depois, todos já estavam na casa de Gabriela. David pediu três pizzas, Josué estourou pipocas e comprou refrigerantes e algumas cervejas. Cristiny escolheu o filme, uma comédia romântica e a noite prosseguiu agradável. Assistiram, conversaram, sorriram, contaram piadas e chegaram a conclusão que faziam um ótimo quarteto de amigos
- Acabou o refri. – Gaby lamentou.
- Deixa que eu vou lá pegar. Acho que alguém exagerou no sal. – Olhou de soslaio para Josué que fingiu não ouvir.
Foi até a cozinha, abriu a geladeira, pegou uma coca-cola de três litros e fechou a porta cantarolando. Quando virou-se, assustou-se.
- Desculpe, não queria te assustar!
- Sem problemas, Josué! E aí, trabalhou hoje?
- Sim, só que hoje saí mais cedo. E você, deu aula?
-Sim, mas por causa do  clima  quente  liberamos  os alunos  mais  cedo. Se continuarem a desmatar a Amazônia o Brasil ficará igual ao deserto do Saara.
-Tá certo... professorinha. – Disse ele com um sorriso torto.
Cristiny sentiu suas mãos soarem e suas forças sumirem a ponto de quase derrubar o refrigerante. 
- Você  parece que  ama o que faz, dá  pra  perceber  no  jeito que  você  fala  dos seu alunos. – Continuou ele.
- Realmente, eu amo minha profissão, é desafiadora, mas no final do ano, quando vemos o progresso das crianças é gratificante!
- Você é fantástica!
- Ah para com isso, - suas bochechas esquentaram - eu só faço meu trabalho com amor, só isso.
- Mas é verdade, você é muito dedicada, quanto mais te conheço, mais admiro você.  Se todas as crianças tivessem a honra de ter uma professora assim, não haveria tanto analfabetismo...
- Assim você me deixa convencida.
- Mas você tem todos os motivos pra ser.
Após sorrirem, um silêncio confortável pairou entre eles, pois seus olhos estavam fixos um no outro como se estivessem hipnotizados. Era como se no silêncio dissessem tudo e no olhar decifrassem o enigma que apenas os seus corações acelerados podiam saber.
- Você quer refri? – Cristiny perguntou, depois de pigarrear, pois ficara sem graça com as fortes batidas do seu coração.
- Boa ideia!
Josué pegou um copo descartável que estava em cima da pia e estendeu para Cristiny despejar o refrigerante. Ela estava com as mãos visivelmente trêmulas, por isso acertou mais a mão de Josué do que o copo.
- Ai, desculpe, eu sou muito desastrada. – Pegou um pano de prato perto do fogão e tentou enxugar as mãos de Josué, mas no nervosismo derrubou o litro de refrigerante que segurava. - Desculpa Josué.
- Não tem problema, Cristiny. – Ele abaixou junto com ela - deixa eu te ajudar. - Suas mãos se tocam sem querer e mais uma vez seus olhos se encontraram levando-os a se aproximarem lentamente até que suas respirações ofegantes se cruzassem. Nesse momento nada importava e nenhum pensamento sobrevinha à mente. Era apenas os dois e um sentimento até então estranho que ganhava mais força a cada dia, a cada segundo.

ETERNO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora