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Fiz sinal com o dedo para ele ficar calado e ele me olhou sem entender.

_ Mas você... Você não era uma alma ou coisa assim?

_ Sim, eu sou. Eu estou aqui para.... Mudar sua vida.- "matando você?" completei na minha cabeça.

_ Como eu posso ver você. Tenho algum super poder?- ele pareceu animado com sua ideia mas o sorriso desapareceu quando eu neguei e ri.

_ Só me vê a mim. Você é minha missão antes de ir... Bem,para o céu.- ele demorou uns segundos a digerir minhas palavras mas depois assentiu levando a mão ao local do tiro.

_ E como você vai mudar a minha vida?- "talvez te jogando de uma ponte" suspirei e encolhi os ombros.

_ Segredo. Não tenho autorização para dizer nada.

_ Mas você é da minha idade. Como... Já sabe... Como você morreu?- me movi na cama perturbada- Desculpa. Se não quiser dizer não obrigo.

_ Não se preocupe...- suspirei e olhei pela janela- Eu morri no trabalho de meu pai. Ele era inventor.

_ Inventor... Eu gostaria ser inventor mas não tenho paciência nem notas no colégio pra isso.- eu sorri melancólica e ele me sorriu para dar coragem de continuar.

_ Ele era muito inteligente, e ainda é. Fez uma máquina capaz de libertar as almas das pessoas de seu corpo. A máquina não funcionou como devia. A intenção era só libertar a alma,em forma de fantasma, mas visível ao ser humano. Ela ainda estava em fase de testes. Houve um terremoto durante o teste. Um homem me empurrou para dentro da máquina e... Aqui estou eu.

_ Isso foi há muito tempo?- perguntou me olhando curioso.

_ Dois anos...- seguiu se uma longa pausa onde nenhum dos dois sabia o que dizer.

_ Mas como seu pai sabia essa coisa das almas?

_ Não entendo.

_ Como ele sabia que as pessoas se transformam em almas quando morrem?

_ Ele não sabia. Essa era sua maior dúvida. Saber se as pessoas continuavam entre nós. Ele tinha esperança de que assim fosse. A sua única intenção era libertar as pessoas de seu corpo e não mata las. Claro que, depois da minha morte, a máquina foi destruída. Meu próprio pai a destruiu.

_ História louca.-sorri fraco.

_ Essa máquina era louca. No fundo, ninguém sabia para que servia, nem mesmo meu pai.- mais uma vez o silêncio reinou.

Ele abriu a boca para falar mas uma voz fininha veio do outro lado do quarto nos assustando.

_ Você também vê elas?- perguntou a garota que há pouco tempo falava com a mulher.

_ Desculpe. Não tô percebendo.- Tyler é mesmo inocente. Claro que ele percebia. Ele me via.

_ Você tá falando com algum fantasma?- ela perguntou devagar analisando o lugar onde eu estava.- Eu estava falando com minha mãe mas ela teve de ir para o céu. Não podia ficar mais.

_ Eu tô falando com uma garota.- Tyler parecia incomodado com a conversa pois se despediu depressa da menina e se virou de novo para mim.

_ Sabe que tá sendo grosseiro com ela.- eu disse apontando para a menininha que estava abraçando um urso de pelúcia.

_ Eu sei. Mas não me julgue. É estranho falar desse assunto. É estranho ver você. Uma pessoa morta.

Essas palavras me fizeram ponderar um pouco. Devia ser estranho estar vendo alguém sabendo que essa pessoa estava morta. Qual seria a sensação? Será que ele pensava que estava a enlouquecer? Não. Ele está demasiado calmo para isso.

Morta. Agora que penso essa palavra é dolorosa. Morta. Soa como uma faca sendo cravada em minha pele. Dói. Dói muito sentir essa faca invisível perfurar minha pele me deixando zonza.

_ Você está bem?- Tyler parecia preocupado por meu silêncio repentino.

_ Perfeita Tyler.

_ Me chame Ty.- ele disse me estendendo a mão.

_ Ok, Ty. Me chame Thay.- disse sorrindo pois nossos diminutivos soavam igual.

Estendi minha mão e toquei no ar. Eu não podia tocar nele. Mas como? Aquela mulher beijou a filha. Estaria só depositando um beijo no ar? Ele baixou a mão incomodo e eu sorri sem jeito pra ele.

_ A gente não se pode tocar.- ele disse o óbvio mas mesmo assim aquilo soou como uma notícia de última hora. Assenti com os olhos pregados no chão.

_ Você... Como é sua vida?- eu perguntei tentando puxar assunto.

_ É bem aborrecida e ao mesmo tempo cheia de stress. Sabe, a vida de um adolescente órfão não é nada fácil.

_ Seus pais... Eles... Morreram?- claro que sim. Você é burra? Ele acabou de dizer que é órfão.

_ Não.- a resposta me surpreendeu- Meus pais me odeiam. Me disseram que quando eu fizesse 18 anos teria de abandonar a casa. Também disseram que só me mantinha lá para não ter problemas com a lei ou coisa do gênero. Por isso digo que sou órfão, porque os meus pais me vão deserdar daqui a duas semanas.

_ Peço desculpa por ter perguntado.- senti uma vontade enorme de abraçar o garoto.

_ Não se preocupe. Quer saber algo mais?- ele perguntou me olhando com aquele olhar penetrante que me fez todos os meus pelos se eriçarem.

_ Se você não se importa eu... Gostaria de saber mais coisas sobre sua vida.- eu realmente quero saber tudo sobre ele. Não sei porquê, mas eu quero.

_ A minha vida é uma bosta.- eu junto com ele mas depois fiz sinal para ele parar, apontando para a porta- Tem razão. Deve ser estranho me ver falando sozinho.- rimos mais é um médico entrou no quarto assustado pelo barulho das gargalhadas do garoto- Me lembrei de algo engraçado.

Ri pela desculpa de Tyler e ele sorriu para mim. Aquele sorriso me trazia uma calma inexplicável, sentia me segura embora não corresse perigo. O médico saiu e ele continuou a falar.

_ Eu sou solteiro, trabalho num café todos os dias duas horas menos domingo e tenho de ir à droga da escola.

Ele me contou tudo sobre ter 17 anos (sua idade). Eu pensei que este ano eu iria completar os 18 anos. Podia ter feito tanta coisa. Podia ter tido namorado, saído mais com meus amigos... Aproveitado minha vida.

_ Não se preocupe com isso. Não é por você não ter feito tudo isso que você perdeu tudo.- ele parecia estar lendo meus pensamentos- Deve ser legal estar assim, como você.

_ Morta?

_ Não. Livre.

Prisioneira do teu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora