Não sei quando ele chegou. Eu apaguei pouco depois de ele sair do quarto. Eu nem sei se ele ao menos voltou. O único que sei é que neste momento alguém está gritando, e esse alguém, me acordou.
_ TYLER. VEM CÁ. VOCÊ NÃO PODE FALTAR NA ESCOLA.
_ EU FAÇO O QUE EU QUISER DA MINHA VIDA ISABEL. NÃO ENCHE O SACO.- Tyler gritou próximo a mim.
Ouvi passos se aproximando. O dono daqueles pés parecia furioso. Logo entrou um homem alto e robusto com um pau na mão. Sim, um pau. Ele tinha cabelos brancos e os olhos azuis abertos de fúria. Se aproximou de mim e logo uma mulher apareceu atrás dele. Tinha cara de cavalo para ser sincera. Muito magra, alta, com cabelos dourados cheios de cachos como os de Tyler. Aqueles sem dúvida eram seus pais. A mulher se encostou na porta como se estivesse assistindo uma partida de futebol ou algo muito interessante na TV.
_ Você vai ver o que é sofrer seu idiota.- o homem gritou.
_ Então bate em mim Carlos. A segurança social já anda perseguindo vocês por agressão a um menor mas piore as coisas.- Tyler estava falando com uma segurança que não existia. Via o medo em seu olhar.
Eu ia me por na frente dele mas era inútil. O homem lhe bateu forte no estômago com o punho e Tyler caiu no chão cheio de dor. O homem riu alto. Muito alto. A mulher bateu palmas e exclamou "Muito bem Carlos". Os dois saíram e eu me aproximei do garoto que se contorcia de dor.
_ É sempre assim?- lágrimas rolavam por meu rosto.- Tem de fazer queixa. Eles não podem...
_ Você tá chorando?- O quê? O pai acabou de o agredir e ele se preocupa com isso?
Levantou o olhar e eu vi um sorriso em seus lábios.
_ Não chore. Não se preocupe comigo.
_ Como você pode estar sorrindo?- eu estava chocada. Agora queria socar sua cara.
_ Eu... Meio que... Já me habituei.- ele bagunçou seu cachos já bagunçados.
_ Como você consegue viver com isso?- ele se sentou na cama e eu limpei as lágrimas.
_ Sabe, eu não sei como consigo. Já me tentei matar uma vez mas... Não se deve fugir dos problemas. Eles devem ser encarados e se eles crescerem, nós temos de crescer junto.
_ Você... Já tentou suicídio?
_ Quase me joguei de uma ponte.- ele não se sentia minimamente desconfortável com aquela situação.- A morte não me assusta. Não mais. Agora sei que há vida para além da morte...
Seu olhar encontrou o meu por breves segundos e eu senti uma necessidade que nunca senti antes. Eu queria beija lo. Eu queria que ele me beijasse.
Me levantei de um salto e olhei o relógio em seu pulso.
_ Você tem aula. Vai estudar ou ficar vendo série?
_ Acho que Família Moderna está chamando por nós.- ele colocou a mão no ouvido e fez uma voz fininha de mulher- Venham cá. Me vejam.
Eu ri e me sentei no puff dele. Mais uma tarde assistindo série. Quando acabamos de ver o último episódio (sim, nós vimos 5 temporadas num dia) ele saltou ao ver as horas.
_ Já é 1 da manhã.- ele disse nervoso.- Eu vou ser despedido. Amanhã tenho de ir ao trabalho.
Me esqueci que ele trabalhava. Ontem estava de folga mas hoje defenitivamente ele faltara. Ele vestiu o pijama bem na minha frente e se deitou. Eu recusei seu convite de me deitar do seu lado.
_ Vou visitar umas pessoas. Vejo você amanhã.- saí do seu quarto, de sua casa e, por fim, de sua cidade.
Visitei meus pais. Eles estavam dormindo, como é óbvio. Me sentei do lado da cama deles. Não tinham mudado nada. Meu pai continuava com seus cabelos pretos impecáveis e sua pele branca continuava sem rugas. Minha mãe tinha seus cabelos negros cacheados espalhados pela almofada, sua pele, também negra mas mais clara que a de meu pai, fazia seu sorriso iluminar tudo.
Eu acho que nunca me descrevi. Sou baixinha, com cabelos muito cacheados negros, pele castanha(como o chocolate) e olhos castanhos amêndoa. Eu gosto de minha aparência. Gosto de ter pele castanha e cabelos rebeldes. Gosto de ser diferente das pessoas normais.
Fui até ao quarto do garotinho. Ao lado de sua cama estava dormindo um cachorro muito fofo. O garoto tinha pele escura como eu, cabelos pretos, era magro e bem alto para a idade. Senti uma pontada de ciúmes dele. Esses eram meus pais. Me levantei abanando a cabeça para espantar os pensamentos egoístas e fui outra vez até à casa de Tyler. Fiquei vendo ele dormir.
O que mais odeio em mim é meu egoísmo. Odeio isso. Odeio ser egoísta mas não consigo evitar. Odeio sentir ciúme mas sou ciumenta. Odeio sentir inveja mas sou invejosa.
Mas eu amo uma coisa em mim. Por muito egoísta que seja eu penso sempre nos demais. Afinal, eu não tinha deixado Tyler morrer. Mas será que foi por ele que eu fiz isso? Será que eu quero ir para o céu?
Abanei a cabeça e comecei a dar voltas pelo quarto. Pensamentos ruins invadiam minha cabeça.
E se ele morresse? Eu poderia tocar nele. Ele poderia ser meu.
CHEGA. Preciso dormir. Me deitei do seu lado. Não tinha sono mas meus olhos se fecharam sozinhos e meu cérebro apagou as luzes me levando para o mundo dos sonhos...
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Prisioneira do teu olhar
Ficção AdolescenteThalia Campbell é uma adolescente de 16 anos completamente normal para o ano 3000. Mas a sua vida muda quando, acidentalmente, entra numa máquina a inventada por seu pai que a transforma numa alma... num fantasma. Vagueia durante dois anos pelo mund...