Capítulo 1

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  Escuto as risadas de meus irmãos na sala. Levanto com um pulo e vou em direção ao som. Minha mãe está sentada na poltrona do canto e meus irmãos estão vendo um programa na TV.

  O noticiário é transmitido duas vezes por semana. Segunda e Sexta. Minha mãe nunca perde.

Como sempre, não temos café da manhã. Quase todo dinheiro é gasto em impostos. Sobra pouco para comida. Mas sempre tem alguma coisa no jantar e no almoço.

-Do que vocês estão rindo? -pergunto sentando no sofá ao lado de Francis.

Sou a mais nova. Francis o mais velho, Felicity e Helena são as gêmeas do meio.

-Nada não pequena. -diz Francis passando a mão nos meus cabelos castanhos escuros.

  O fato de eu ser a mais nova as vezes acaba sendo um fardo. Não me deixam ouvir conversas ou coisas que eu tenho certeza que deveria saber. O que é ridículo, porque tenho 17 anos.

  -Quero a ajuda de Francis e Helena com o almoço. -minha mãe acaba de levantar de sua poltrona.

  -Tenho que ir para a fábrica daqui a pouco. Posso apostar meu salário que Celinne pode ajudar.

  Eu posso. Mas minha mãe sabe que eu fiz o almoço durante a semana toda.

  -Celinne tem mãos ruins para cortar as verduras.

  Eu deveria me sentir ofendida. Mas vindo da minha mãe soa como uma defesa a minha pessoa.

   -Obrigada mãe. Eu acho.

  Helena levanta de sua cadeira de fios e acompanha minha mãe até a cozinha e eu fico na companhia de Felicity.

  Felicity é o tipo de irmã que gosta de vasculhar sua vida amorosa de ponta a ponta. Isso me deixa constrangida. Mas na maioria eu acabo rindo mais do que ficando vermelha.

  -Você viu como Dylan estava gato na feira da semana passada? -diz ela tentando puxar assunto.

-Eu não sei quem é Dylan.- digo olhando fixamente para a TV.

  Ela revira os olhos e volta a encarar a TV.

  -Você soube?-de novo ela tenta puxar assunto.

-O que?

-A Colheita será realizada daqui a dois dias. Foi adiantada após a morte do governador Lewis. Disseram que será mais especial porque quem vencer vai ganhar um lugar no governo geral.

-O governador Lewis morreu?

-Faz quase dois meses. Eles ocultaram por um tempo. Mas foi ao ar na segunda.

  Eu deveria ficar feliz. Eles só nos causam mal. Só porque são ricos tem mais direitos que nós. Mas não importa o que ele fez, era uma vida. Alguém em algum lugar deve estar muito abatido com essa perda.

  Tento parecer o mais calma possível.  Ano passado eu escapei. Agora pode ser mais difícil.

    A Colheita pode parecer um benefício, mas não, se você ganha, nunca mais pode ver sua família. Os ganhadores devem se desapegar de sua antiga vida. Aqueles que violam essa lei são mortos ou depostos.

  Meu pai deixou minha mãe  quando eu estava com dois anos.

  Os recrutados são levados para uma zona especial no limite de LittleSun.

  -Não sei o que fazer. -entro em desespero.

  -Fique calma Celinne.

  -Como? Você ou Helena podem nos deixar em dois dias.

  -Isso não vai acontecer. Eu nunca deixaria você, nem a mamãe.  Tenho certeza que Helena também não.

  Isso me deixa com um frio na barriga. Se alguém recusar, todos os benefícios que a família recebe, serão
cortados e a família perderá tudo.

  -Você e Helena já tem 19 anos. Eu estou com 17. Francis escapou. Então existe a possibilidade de eu ser recrutada assim como vocês.

  Felicity revira os olhos e me encara com seus olhos verdes.

  -Eu amo você. Você é minha pequena. Jamais deixaria você ir. Eu não vou. Helena não vai. Vamos ficar bem.

  Ela está certa. Qual a possibilidade de uma de nós ser escolhida ente milhões ?

   Esse pensamento me deu ainda mais medo.

   -Acho que vou ajudar a mamãe e Helena na cozinha.

  Quando eu já estava saindo da sala, Felicity agarra meu pulso e me encara novamente.

-Conheço você Celinne. Você vai ajudar a mamãe para tirar esse pensamento da sua pequena cabeça e depois vai chorar. Quero que você tire isso da sua cabeça, mas não quero que chore. Eu prometo a você que eu não vou.

  Assenti tentando conter as lágrimas.

   Ela solta meu pulso e pisca para mim. Faço o mesmo. Felicity sempre esteve ao meu lado. Não importa o caso. Ela sempre esteve lá. E sempre vai estar.

   Caminhei em direção à cozinha pronta para ajudar minha mãe.

  -Sei que minhas mãos não são boas com nada, mas eu quero ajudar.

  Minha mãe sorri e me entrega a faca para cortar a salada.

  A cozinha é separada da sala apenas por um portal de madeira. Os quartos ficam no corredor ao lado da parede da sala. O banheiro é no mesmo corredor. Tudo é feito de um material não muito resistente.

   Minha mãe me lança um sorriso. Retribuo.
  Ela também está com medo de que Helena e Felicity sejam recrutadas. Mas não vou pensar muito nisso. É melhor me concentrar em cortar a salada.

 
 

  
 
 

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