9. Igniting

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Sempre me considerei uma mulher bastante razoável. Fatos produziam fatos. As pessoas podiam distorcer fatos, mas, no final... eram fatos. Não geravam conjecturas infinitas que me tiravam o sono. Era por isso que não me reconhecia naquele momento. Não que não tivesse tido noite insones, mas todas elas haviam sido preenchidas com trabalhos inadiáveis e prazos estourando.

Leis e precedentes.

Petições e laudos.

Era esse tipo de coisa que me fazia sacrificar horas de sono.

Dahra Lisbon não se revirava na cama por horas.

Dahra Lisbon não andava de um lado para o outro na cozinha do andar no meio da madrugada vestindo uma calça de moletom e uma blusa três vezes o seu tamanho.

Dahra Lisbon não bebia whiskey.

Dahra Lisbon não falava na terceira pessoa.

Era por isso que não me reconhecia naquele momento. Não que saber que não me reconhecia ajudasse em alguma coisa. Ainda continuava ali, no escuro, sentada em um dos bancos altos da cozinha, encarando meu copo de whiskey com um olhar perdido enquanto mantinha os ouvidos alerta para qualquer barulho. Mas só havia o silêncio.

O silêncio ensurdecedor. Silêncio ensurdecedor que parecia zombar de mim ao deixar bem claro que não, eles não haviam voltado ainda, que ele não havia voltado ainda.

James.

Engoli em seco.

James.

Passei as mãos sobre o rosto, exausta.

James.

Virei o restante do whiskey e minha garganta queimou.

Nem minha inquietação, nem o álcool tiveram qualquer efeito em minha melancolia na calada da noite.

Captain estava deitado aos meus pés, tão miserável quanto eu.

Aquela não era a primeira missão dele que precisava suportar. Nos meses em que Bucky e eu estávamos juntos, ele já tinha feito inúmeras pequenas viagens, mas, daquela vez... não sei. Era diferente. Tentava me convencer dizendo que era porque essa missão "super secreta da qual um civil não podia saber nada" — muito obrigada, Steve Rogers — completava três semanas hoje, porém sabia muito bem que o problema era o peso em meu estômago.

Era aquela sensação de que alguma coisa estava errada.

Era aquele mau pressentimento.

Engolindo em seco, levantei-me, desistindo da ideia de continuar ali parada. Como dormir não estava nem em questão, e trabalhar parecia bastante irresponsável quando minha concentração estava tão longe, decidi descer para a sala de treinamento. Depois de trocar de roupa e trancar a que usava no armário — que obriguei Stark a me dar ao vencê-lo pelo cansaço, depois de muita discussão sobre como, apesar de eu não ser uma agente, eu também precisar de um armário porque... bem... eu queria um — passei direto pelas salas de treino em dupla e segui pela academia. Não conseguia me lembrar de nenhum dos nomes dos aparelhos, mas, as séries que Rogers me passara, eu já conseguia fazer quase de maneira automática, e foi assim que fiz. Fiel e silencioso como sempre, Captain me acompanhou, aguardando pacientemente enquanto eu tentava me exercitar até a exaustão.

Sabia que tinha passado do limite quando, apesar de toda a resistência que desenvolvi ao longo desses últimos tempos de treinamento, sentia todos os meus músculos queimarem em protesto ao me levantar depois de quarenta flexões. Estava me arrastando pelos corredores de volta para o quarto de Bucky quando a parada abrupta de Cap fez com que eu também parasse. Olhando para baixo, observei como suas orelhas se levantaram e ele virou o pescoço para olhar para o final do corredor de onde havíamos passado há pouco. Curiosa, segui sua linha de visão, mas não havia nada. Prestando atenção, tampouco podia ouvir qualquer coisa.

Burning IceOnde histórias criam vida. Descubra agora