Kauê

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Acordei com os solavancos do ônibus subindo a barca, um breu lascado, dormi de novo não muito tempo depois.
Despertei quando a gente saía de Porto Velho, não vi lá muita coisa da capital de Rondônia, só muita gente se arrastando até os pontos de ônibus. Isso não muda, acho.
O motorista fez o favor de parar era bem umas oito e meia, numa cidade que não sei tinha nome. Comi um pão com ovo e um café muito do amargo.
- Moço, deu nove e cinquenta.
- O que deu nove e cinquenta?
- Seu lanche.
- Você está querendo cobrar isso tudo em pão com ovo? Povo ladrão da porra.
A fila atrás de mim aumenta. Surge um armário vestido de segurança.
- Algum problema aqui?
- Só queria saber se tem desconto para colega de trabalho.
- Você é comerciante também?
- Não, também sou ladrão, filho da puta.
As pessoas voltaram pro ônibus, reclamando e com fome. Seu Antônio e o outro motorista voltaram depois que todo mundo. Quando eles fecharam a porta da frente, os chamei.
- Ô motora! Não sai ainda não!
- O que foi menino?
- Queria falar para os senhores pararem com a palhaçada. Da próxima vez que vocês pararem numa espelunca dessas que vai assaltar a gente, os passageiros, pra vocês ganharem uma parte por fora, vocês que vão pagar a conta.
- Ninguém aqui é moleque não!
- Lhes meto a pexera seus cabra, ó.
O outro motorista toma coragem.
- Se vocês não quiserem descer onde a gente quer, é só não descer.
- Ô seu filho de rapariga, ceis quer mesmo que a gente denuncie voceis pra Policia Federal? A última vez que fiquei sabendo a multa tava em cinco mil, daqui até Mato Grosso tem muito chão.
- Não precisa se alterar, a gente vai procurar uns lugar mais em conta, pode ser?
- A gente vai ficar de olho, agora anda com esse ônibus.
Seu Antônio e o outro motorista se olham mas não falam nada.

Passei o resto do dia querendo tirar a camisa. Teve um carro batido que todo mundo ficou olhando pela janela, até o motorista deu uma reduzida pra olhar. Um casal saiu do mato beira-estrada sem graça, alguém entupiu o banheiro, aí nas curvas dava pra ouvir a água carregando coisas lá dentro. O que me lembro mesmo é de eu querer tirar a camisa. Depois que o ônibus saiu depois do café, dormi que só acordei após o pessoal voltar do almoço, era bem umas uma hora da tarde já.
Acordei pelo calor, a dobra de pele ali do pescoço estava coçando de agonia, suor que pingava.
O bendito do ônibus, dava pra ver a chapa de ferro no teto onde a espuma do forro ficava dependurada. Tinha umas janelas que estavam travadas com ferrugem, acho que era a minha e umas sete ou oito que davam de abrir.
A camisa ficava pregando nas costas, isso quando não colava a camisa no plástico que cobria o banco. Olhava pros lados mas só tinha mulher nos bancos perto de mim.
Não queria nem imaginar quantos macho suado não já tinha esfregado o ranço de suor naquele banco, só queria me livrar daquela camisa.
- O que foi garoto?
- Nada não seu Antônio, só esticando as pernas.
- Vê se sossega naquele banco porque assim vocês me desconcentram.
Continue caminhando, fiz isso bem umas três vezes naquela tarde. Comia umas bolachas que comprei lá na cidade, cochilava no banco, andava. Era tardezinha resolvi deitar no chão em frente aos meus bancos, peguei o forro do banco do lado, coloquei no chão, deitei com a cabeça perto do corredor e os pés no vidro, o mormaço era tanto que ninguém chiou por eu ter fechado a janela. Ali dormi bem, o banco tinha um monte de ponta ossuda cutucando as costas, no chão só o cheiro de chulé lascado. Pouca coisa pior que meu quarto.
- Meia hora hein gente!
Limpei a baba e olhei pra janela, escuro já. Não quis vacilar igual no almoço e quis ir jantar. Só quis, porque as pernas não quiseram. Só foi vontade de levantar, pensei que ia ficar paraplégico, as pernas não mexiam e nem as sentia. Com muito custo, consegui fazer elas voltarem a vida. Fui mancando jantar.
Devo ter ficado umas quatro horas vendo as luzes distantes de fazendas, faróis serpenteando no meio de arvores, lá no horizonte.

Diante dos olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora