As malas

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A mãe não quis acreditar.
- Que brincadeira é essa menino?
Ela veio, com o pano de prato no ombro. O pirralho do Mateus embaixo da saia dela. Ela olhou as portas do armário abertas, viu as roupas em cima da cama e eu arrumando mal as peças dentro da mala.
- Meu filho, o que você tá fazendo?
Pego a blusa de frio que meu padrinho me deu no natal e tento colocar na mala. Não dá certo, com a palma da mão forço as roupas pra baixo, agora sim.
- Filho, o que você tá fazendo?
- Vou atrás do meu sonho.
- Para de brincadeira, Kauê.
Fecho o ziper maior da mala, vou até a comoda, pego o papel que está lá em cima, volto e entrego pra mãe. Puxo uma cadeira da mesa de estudo nossa e empurro pra perto do armário, subo e tento puxar lá de cima a mochila da escola, tá velha mas ainda serve pra levar as coisas.
- Kauê, que papel é esse?
Com um puxão forte que dou a mochila vem, junto com um monte de poeira.
- É a passagem mãe. Eu vou seguir meu sonho.
Eu não tenho coragem de olhar mas ela está chorando, com a mão na boca. Ela senta na beirada da cama de Fabiano. Fica me observando separar as meias e cuecas que vão comigo.
- Meu filho, você tem lugar pra ficar lá?
- O primo do Santiago, aquele lá do time, mora lá na capital. Santiago me disse que se eu for mesmo eu posso ficar lá na casa dele.
- Mas é certeza mesmo?
Sento do lado da mãe, a abraço. A gente fica assim por um tempo bem grande. Mateus começa a chorar, acho que é por ver a mãe chorando.
- O que tá acontecendo?
Fabiano chega com o uniforme da farmácia, A velha fuxiqueira da Nonata deve ter corrido e ido lá contar que ouviu a mãe chorando. 
- Kauê vai sair de casa.
- Vou pra capital jogar bola.
Fabiano olha pra mim. Aceno a cabeça.
Ele fica lá no batente, arrancando o reboco que está desmanchando da parede.
- Irmão, você vai precisar de alguma coisa?
- Não, irmão, carece não. Chegando lá na casa de primo de Santiago eu já tiro o dia pra procurar serviço. 
A mãe se levanta, abre a primeira mochila e pega cada peça que coloquei, tira, dobra de novo.
Resmunga que eu não sei fazer nada direito.
Mateus chora mais alto agora, mas ninguém dá atenção.
- Meu filho, você tem certeza?
- tenho, mãe.
- Kauê, que horas que sai o ônibus?
- Tá marcado pras quatro e meia, fabiano.
- Vou ver se consigo sair mais cedo do serviço, aí vou com você até a rodoviaria.
A mãe segura uma camisa com força, abaixa a cabeça, os ombros ossudos tremem, eu e Fabiano escutamos um soluço engasgado.
Largo as camisetas no chão e vou em direção a mãe, Fabiano olha pra mim. Quando olho pra aquele olhos vermelhos, a cabeça balança de um lado para o outro.  Dos lábios marcados de cigarro sai um 'não' mudo. Volto e agacho, pescando as camisetas do chão.
Fabiano sai. A mãe engolhe o choro, mas continua soluçando.

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