- Bom dia senhor, um amigo está me esperando num restaurante, Filó parece, fica perto de uns hotel bem barato, o senhor sabe onde fica?
- Só um momento, filho. Ô Franscismar, você sabe se tem um restaurante chamado Filó aqui perto, o rapaz falou que fica perto dos hotéis barato.
- Então, saindo daqui e pegando a segunda à direita vai ter um monte de hotel, Estrela, El Shaday, Rio Negro, se não me engano tem um restaurante entre o Rio Negro e a barbearia, mas acho que o nome não é esse.
- O celular tinha acabado a bateria bem na hora mas acho que ouvi ele comentar sobre uma barbearia mesmo. Muito obrigado, bom dia pra vocês.
Começo a andar e escuto os dois seguranças discutirem sobre o nome do restaurante.
Se eu perguntasse onde tinha um hotel barato eles iam falar um do outro lado da rua, vagabundo e caro.
Puxo a fivela da alça da mochila, ajeitando mais nas costas pra ver se dói menos. Na direção que o homem disse, o shopping acaba numa Americanas, saio do alambrado em frente a um ponto de ônibus.
Hotel Del Plaza, todo em vidro ocupa metade do quarteirão do segundo quarteirão, na rua que tenho que virar, tem um Petshop na esquina, azul e verde, de um lado e do outro uma loja de ferragens.
Depois de um boteco, do mesmo jeito que o segurança disse, depois do hotel Rio Negro, o restaurante e a barbearia.
Entro no restaurante e logo uma senhora de cabelos pratas saindo da toca vem pra perto de mim.
- Ô, meu filho, deixa essas suas malas lá naquele canto e pega um prato pra você almoçar. Hoje tem galinhada e carne de porco, vai lá, tira esse peso de você e vem comer.
Obedeço de bom grado, pego um prato da mão dela e sirvo um pouco de cada. O olho fica maior que a barriga e coloco demais, mas a comida é boa e limpo o prato.
Ao meu lado, quatro pessoas dividem dois pratos, o pai e mãe, observam os filhos comerem. A menina pequena brinca com a colher, “mãe, quero coca”, “come sua comida Bete que a mamãe te dá”. “Eu também quero”, “Mateus, termina de comer”, os pais se olham, as gargantas entaladas.
- Quando deu senhora?
- Meu filho, seis reais o prato.
- A comida da senhora é muito boa. Cobra também outro prato e uma coca, deixa naquela mesa ali.
- Pode deixar. Obrigado, meu filho.
Depois que passo o braço pela segunda alça da mochila, me volto à ela.
- Senhora, a senhora por acaso conhece algum hotel bom e barato por aqui?
- Meu filho, aqui tem bastante hotel barato. O melhor desses é o Rio Negro, aqui do lado, não é tão caro e é arrumadinho. Não vai pra aquele Estrela lá não, o povo de lá é muito porco.
- Pode deixar, obrigado senhora.
Paro no El Shaday, nem pra lá, nem pra cá.
- Boa tarde senhor, quanto é sua diária?
- A diária do hotel é vinte e cinco. Aqui a gente não aceita baderna nem arruaça.
- Pode ser.
- Me dê seu documento e assine aqui na frente. Aqui a gente serve café e janta, é subindo as escadas no primeiro andar. Se for ficar mais tempo tem que avisar antes do meio dia, e se for sair tem que desocupar antes do meio dia, está cristal pra você?
- Tudo certo.
- Aqui ó, essa é sua chave, você vai ficar no 207, segundo andar. Toma cuidado com essa chave, dá uma canseira lascada se você perder.
Pego a chave suada e subo as escadas, dá pra ver três camadas de cores, a de cima ao que parece é salmão. Quarta porta do lado direito, 207.
Cheiro de desinfetante barato, lavanda, pelo menos o quarto está limpo. Uma cama de solteiro, uma televisão de tubo, cinza encardido, sobre o aparelho um controle, com um adesivo enorme na parte de baixo, "Não furtarás".
Tomo banho e durmo, com roupas espalhadas pelo quarto.
- Mãe!
Abro os olhos e não reconheço as paredes descascadas. Meu coração demora a voltar ao normal, demoro a lembrar que não estou mais em casa.
Tomo um banho e visto uma camisa e um jeans limpos. Pego o dinheiro da carteira, deixo vinte reais e o resto deixo na meia. Calço um sapato e saio do quarto.
Na recepção, é uma senhora que está agora, dou um boa tarde mas ela não responde, vidrada na novela.
Saio pra rua, as pessoas começam a olhar as horas, quase a hora de ir embora.
Começo a andar na direção contrária a rodoviária, a rua acaba em uma avenida. Um supermercado Pantanal contorna a esquina da rua do hotel.
Uma videolocadora na outra quadra, em frente, virando à esquerda na avenida, um ponto de ônibus. Em um dos suportes do teto, numa placa as linhas (035, 057, 162, 435).
Ando mais seis quadras, lendo os nomes das lojas, viro à esquerda e ando outras cinco quadras, à esquerda de novo.
Vejo a cobertura da rodoviária acima dos prédios, desse lado as quadras são maiores, ando duas e chego na rua do hotel.
Entro em um boteco que está mais ou menos cheio e peço uma cerveja. Sento em uma cadeira, sirvo um pouco de cerveja no copo embaçado, tomo um gole pequeno e fico observando a rua.
- Ô Tião, cê viu o que fizeram com o menino na obra do Leturcio?
- Tavam certinhos, esse povo vem pra cá só pra roubar nossos serviço. Seria melhor se eles aprendesse e voltassem pra banda deles.
- Tião, se eles voltar, as morenas vão junto. Pensa.
Outro gole caprichado.
- É, aí ia ser ruim mesmo. Mas o velho Xico foi sacana, falou pro rapaz que ele precisava fazer um teste, aí fez carregar uns quinze saco de cimento pra depois falar que ele trabalhava bem mas que por agora eles não estavam pegando ninguém pra trabalhar.
- Coitado. Ninguém ajudou ele não?
- Santiago acho, depois da graça ele deu o cantil dele pro garoto e falou pra ir lá na Associação, sabe ali na Marechal Teodoro? Disse que talvez lá conseguisse algum serviço, a Associação pega uma parte dos três primeiros salários mas é mais garantido. Na hora do aperto qualquer coisa vale.
- Isso é verdade, o Davi não tava de agarro com a Cristina?
- Tava sabendo disso não.
- Nem o Marcelo.
Bebo resto do copo, quando encho o copo de novo, dou uma olhada para os três conversando.
- O Davi tem que ficar esperto, o namorado da Cristina já pipocou uns três, tudo bem no mesmo lugar. Ele espera o cara passar naquele poste com a luz queimada pouco depois do Pantanal, ele fica encostado naquela caçamba de entulho, o cara passa e leva uma na costela. O cara e nem ninguém vê porque o Marcelo volta pro terreno baldio, sai do outro lado onde quebraram o poste de luz.
- Se ninguém vê como você sabe que foi ele?
- Os três tavam catando a Cristina.
- Mas pior mesmo nem é o Marcelo, é ali na Campos Dutra.
- Aquela ruazinha paralela à avenida?
- Lá mesmo. O Sargento Pereira leva os novatos do Choque pra lá, testar do sangue.
- Conversa fiada, naquela rua tem uma igreja, e muita gente passa por ali pra sair do movimento da avenida.
- Eles só matam vagabundo.
Termino a cerveja e os deixo discutindo sobre a verdade dessa história.
Faço a caminhada inversa, vendo as portas se fechando e funcionários se despedindo. Paro no bar perto do Pantanal.
Uns pedreiros estão descontando as raivas do dia numa partida de truco. Pego uma lata de cerveja e fico observando o movimento na rua.
- Moço, você precisa de mais alguma coisa?
Olho pra cima, uma moça mais ou menos bonita com um decote mostrando demais.
- Obrigado moça mas só vou ficar nessa cerveja mesmo.
Viro pra rua e escuto o barulho voltando a mesa. Escuto também um "Marcelo, larga de ser ciumento, estou trabalhando" resmungado.
Pouco depois, pego o celular e ligo um alarme para daqui três minutos. Tomo minha cerveja e reparo nas pessoas passando, passeando.
- Oi, Amor. Não, sai já. É, passei aqui num bar. Não, não, o Tiago não me chamou, ele nem foi trabalhar hoje. Só passei pra tomar uma cerveja, quando acabar eu vou pra casa. É, dia foi difícil hoje. Tá, também.
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Diante dos olhos
Lãng mạnEssa é a história de dois irmãos e dois sonhos. Kauê tem um sonho de ser um astro do futebol. Fabiano tem um desejo mais difícil, sonha com um amor que se foi. Um mais que o outro, precisa mudar de ares para conseguir o que quer. Kauê se imagina...